segunda-feira, 31 de outubro de 2011

TERNURA E EXIGÊNCIA


A ternura e a exigência, ou o afecto e a
disciplina como escreve Brazelton, são as bases
fundamentais da educação do carácter. Postas
em prática muito cedo através de uma autoridade
segura e confiante por parte dos pais combatem
a educação indulgente e impedem o regresso ao
autoritarismo

OS PROFESSORES


O mundo não nasceu connosco. Essa ligeira ilusão é mais um sinal da imperfeição que nos cobre os sentidos. Chegámos num dia que não recordamos, mas que celebramos anualmente; depois, pouco a pouco, a neblina foi-se desfazendo nos objectos até que, por fim, conseguimos reconhecer-nos ao espelho. Nessa idade, não sabíamos o suficiente para percebermos que não sabíamos nada. Foi então que chegaram os professores. Traziam todo o conhecimento do mundo que nos antecedeu. Lançaram-se na tarefa de nos actualizar com o presente da nossa espécie e da nossa civilização. Essa tarefa, sabemo-lo hoje, é infinita.

O material que é trabalhado pelos professores não pode ser quantificado. Não há números ou casas decimais com suficiente precisão para medi-lo. A falta de quantificação não é culpa dos assuntos inquantificáveis, é culpa do nosso desejo de quantificar tudo. Os professores não vendem o material que trabalham, oferecem-no. Nós, com o tempo, com os anos, com a distância entre nós e nós, somos levados a acreditar que aquilo que os professores nos deram nos pertenceu desde sempre. Mais do que acharmos que esse material é nosso, achamos que nós próprios somos esse material. Por ironia ou capricho, é nesse momento que o trabalho dos professores se efectiva. O trabalho dos professores é a generosidade.

Basta um esforço mínimo da memória, basta um plim pequenino de gratidão para nos apercebermos do quanto devemos aos professores. Devemos-lhes muito daquilo que somos, devemos-lhes muito de tudo. Há algo de definitivo e eterno nessa missão, nesse verbo que é transmitido de geração em geração, ensinado. Com as suas pastas de professores, os seus blazers, os seus Ford Fiesta com cadeirinha para os filhos no banco de trás, os professores de hoje são iguais de ontem. O acto que praticam é igual ao que foi exercido por outros professores, com outros penteados, que existiram há séculos ou há décadas. O conhecimento que enche as páginas dos manuais aumentou e mudou, mas a essência daquilo que os professores fazem mantém-se. Essência, essa palavra que os professores recordam ciclicamente, essa mesma palavra que tendemos a esquecer.

Um ataque contra os professores é sempre um ataque contra nós próprios, contra o nosso futuro. Resistindo, os professores, pela sua prática, são os guardiões da esperança. Vemo-los a dar forma e sentido à esperança de crianças e de jovens, aceitamos essa evidência, mas falhamos perceber que são também eles que mantêm viva a esperança de que todos necessitamos para existir, para respirar, para estarmos vivos. Ai da sociedade que perdeu a esperança. Quem não tem esperança não está vivo. Mesmo que ainda respire, já morreu.

Envergonhem-se aqueles que dizem ter perdido a esperança. Envergonhem-se aqueles que dizem que não vale a pena lutar. Quando as dificuldades são maiores é quando o esforço para ultrapassá-las deve ser mais intenso. Sabemos que estamos aqui, o sangue atravessa-nos o corpo. Nascemos num dia em que quase nos pareceu ter nascido o mundo inteiro. Temos a graça de uma voz, podemos usá-la para exprimir todo o entendimento do que significa estar aqui, nesta posição. Em anos de aulas teóricas, aulas práticas, no laboratório, no ginásio, em visitas de estudo, sumários escritos no quadro no início da aula, os professores ensinaram-nos que existe vida para lá das certezas rígidas, opacas, que nos queiram apresentar. Se desligarmos a televisão por um instante, chegaremos facilmente à conclusão que, como nas aulas de matemática ou de filosofia, não há problemas que disponham de uma única solução. Da mesma maneira, não há fatalidades que não possam ser questionadas. É ao fazê-lo que se pensa e se encontra soluções.

Se nos conseguirem convencer a desistir de deixar um mundo melhor do que aquele que encontrámos, o erro não será tanto daqueles que forem capazes de nos roubar uma aspiração tão fundamental, o erro primeiro será nosso por termos deixado que nos roubem a capacidade de sonhar, a ambição, metade da humanidade que recebemos dos nossos pais e dos nossos avós. Mas espero que não, acredito que não, não esquecemos a lição que aprendemos e que continuamos a aprender todos os dias com os professores. Tenho esperança.

Artigo de José Luís Peixoto, publicado na revista Visão de 13 de Outubro de 2011

terça-feira, 11 de outubro de 2011

TAXONOMIA DE BLOOM REVISTA



Taxonomia original de B.Bloom
Categoria: 1.0 Conhecimento

Conhecimento específico
Conhecimento de formas e significado relacionados às especificidades do conteúdo
Conhecimento universal e abstração relacionados a um determinado campo de conhecimento

Taxonomia revista
1.1 Conhecimento Efetivo: relacionado ao conteúdo básico que o discente deve dominar a fim de que consiga realizar e resolver problemas apoiados nesse conhecimento. Relacionado aos fatos que não precisam ser entendidos ou combinados, apenas reproduzidos como apresentados.
Conhecimento da Terminologia; e Conhecimento de detalhes e elementos específicos.

1.2 Conhecimento Concetual: relacionado à inter-relação dos elementos básicos num contexto mais elaborado que os discentes seriam capazes de descobrir. Elementos mais simples foram abordados e agora precisam ser conectados. Esquemas, estruturas e modelos foram organizados e explicados. Nessa fase, não é a aplicação de um modelo que é importante, mas a consciência de sua existência.
Conhecimento de classificação e categorização; Conhecimento de princípios e generalizações; e Conhecimento de teorias, modelos e estruturas.

1.3 Conhecimento procedimental: relacionado ao conhecimento de “como realizar alguma coisa” utilizando métodos, critérios, algoritmos e técnicas. Nesse momento, o conhecimento abstrato começa a ser estimulado, mas dentro de um contexto único e não interdisciplinar.
Conhecimento de conteúdos específicos, habilidades e algoritmos; Conhecimento de técnicas específicas e métodos; e Conhecimento de critérios e percepção de como e quando usar um procedimento específico.

1.4 Conhecimento Metacognitivo: relacionado ao reconhecimento da cognição em geral e da consciência da amplitude e profundidade de conhecimento adquirido de um determinado conteúdo. Em contraste com o conhecimento procedural, esse conhecimento é relacionado à interdisciplinaridade. A ideia principal é utilizar conhecimentos previamente assimilados (interdisciplinares) para resolução de problemas e/ou a escolha do melhor método, teoria ou estrutura.
Conhecimento estratégico; Conhecimento sobre atividades cognitivas incluindo contextos preferenciais e situações de aprendizagem (estilos); e Autoconhecimento.

Fonte: Driscoll (2000) e Krathwohl (2002).

Estrutura do processo cognitivo na taxonomia de Bloom – revista.
1. Lembrar: Relacionado a reconhecer e reproduzir ideias e conteúdos. Reconhecer requer distinguir e selecionar uma determinada informação e reproduzir ou recordar está mais relacionado à busca por uma informação relevante memorizada. Representado pelos seguintes verbos no gerúndio: Reconhecendo e Reproduzindo.
2. Entender: Relacionado a estabelecer uma conexão entre o novo e o conhecimento previamente adquirido. A informação é entendida quando o aprendiz consegue reproduzi-la com suas “próprias palavras”. Representado pelos seguintes verbos no gerúndio: Interpretando, Exemplificando, Classificando, Resumindo, Inferindo, Comparando e Explicando.
3. Aplicar: Relacionado a executar ou usar um procedimento numa situação específica e pode também abordar a aplicação de um conhecimento numa situação nova. Representado pelos seguintes verbos no gerúndio: Executando e Implementando.
4. Analisar: Relacionado a dividir a informação em partes relevantes e irrelevantes, importantes e menos importantes e entender a inter-relação existente entre as partes. Representado pelos seguintes verbos no gerúndio: Diferenciando, Organizando, Atribuindo e Concluindo.
5. Avaliar: Relacionado a realizar julgamentos baseados em critérios e padrões qualitativos e quantitativos ou de eficiência e eficácia. Representado pelos seguintes verbos no gerúndio: Checando e Criticando.
6. Criar: Significa colocar elementos junto com o objetivo de criar uma nova visão, uma nova solução, estrutura ou modelo utilizando conhecimentos e habilidades previamente adquiridos. Envolve o desenvolvimento de ideias novas e originais, produtos e métodos por meio da percepção da interdisciplinaridade e da interdependência de conceitos. Representado pelos seguintes verbos no gerúndio: Generalizando, Planeando e Produzindo.


Fonte
http://www.scielo.br/pdf/gp/v17n2/a15v17n2.pdf

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

EFICÁCIA ESCOLAR


Factores associados à eficácia escolar

Liderança profissional: Firme e objectiva; Abordagem participativa
Orientação/direcção profissional: Visão partilhada e com objectivos Concordância; Colegialidade e colaboração; Prática consistente
Envolvimento na aprendizagem Ambiente: Organizado; Trabalho atractivo e motivador.
Concentração no ensino-aprendizagem: Rentabilização do tempo; Ênfase académico; Enfoque no sucesso
Objectivos de ensino: Organização eficiente; Clareza; Aulas estruturadas; Prática flexível
Expectativas elevadas: Expectativas globais elevadas; Comunicação das expectativas
Proporcionar desafios intelectuais: Reforço positivo Claro; Admoestações/punições justas; Feedback
Monitorização dos progressos: Monitorização dos desempenhos dos alunos; Avaliação dos desempenhos escolares
Responsabilização dos alunos (direitos e deveres): Elevação da auto-estima; Atitude responsável; Controlo do trabalho
Parceria casa/escola: Envolvimento dos pais na aprendizagem dos filhos
Organização do processo de aprendizagem: Planificação apoiada no “staff” escolar (planificação feita ao nível do conselho de turma/docentes).

Fonte: Vitor Sil (2008). Tese de Doutoramento. Estratégias Pedagógicas no Ensino de Alunos em Risco de Insucesso Escolar. Universidade do Minho, pág. 39.

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM


Tipologia das Dificuldades de Aprendizagem

Uma concepção multifactorial das causas das Dificuldades de Aprendizagem é-nos descrita por Brueckner et. al. (1975), atribuindo as Dificuldades de Aprendizagem a cinco factores: 1) factores cognitivos e verbais, de entre os quais se realça a percepção, a atenção e a memória, bem como a expressão oral e a construção sintáctica; 2) factores emocionais e da personalidade; 3) factores socioculturais; 4) factores pedagógicos; 5) factores biológicos, nos quais é considerada a evolução do sistema nervoso.

Numa outra concepção factorial (Martinez, Garcia & Montoro, 1993; Monedero, 1989; Pérez, 1989) as DA são categorizadas em quatro tipos quanto à sua etiologia: 1) factores biológicos; 2) factores psicológicos; 3) factores pedagógicos e 4) factores socioculturais.
Fonte: Vitor Sil (2008). Tese de Doutoramento. Estratégias Pedagógicas no Ensino de Alunos em Risco de Insucesso Escolar. Universidade do Minho, pág. 25.

VIDAS DE PROFESSOR


Mais um testemunho comovente e interpelante sobre os modos de ser professor. Deve ser por isto que Rubem Alves afirma que o professor é imortal.

Como docente, se olhar para trás, durante estes trinta anos ao serviço da educação, muitos foram os bons momentos que guardo com saudade. Trabalhei em muitas escolas, desde o meio rural ao urbano, do interior ao litoral. Em todos os lugares fui feliz e penso que não gostaria de ter tido outra profissão. Gosto de ser professora: gosto de partilhar e sei dar valor aos pequenos gestos e atitudes dos alunos. Tive de aprender como agir no momento certo, saber premiar, saber repreender e depois, e ainda, continuar a gostar….É bom ouvir “ obrigado, professora, por ser assim”. Gosto de ensinar e gosto de aprender… e tenho aprendido muito com os alunos, coisas básicas ou muito complexas… Para mim, primeiro estão os alunos, gosto de ajudar e penso que, logo à partida, temos de os fazer sentir-se felizes. As aprendizagens chegam depois…

Mas, nem sempre consegui fazer alunos felizes - senti-me algumas vezes impotente, incapaz. Desses momentos, os que mais me marcaram decorrem do facto de não ter conseguido ajudar dois dos meus alunos, da mesma turma, já lá vão cinco anos.
Recordo a Rita, aluna que acabara de fazer dezoito anos e que um dia, quando ia para uma visita de estudo, não apareceu , não chegou, sequer, a encontrar-se com os colegas. Desapareceu! E, até hoje, ainda não foi encontrada… A Rita gostava de pintar, sentia-se bem e, por isso, muitas foram as vezes que com ela partilhei o meu ateliê de pintura, a sua maior paixão - os seus melhores momentos passava-os a pintar, a criar, era muito boa nisso, seria uma grande artista se ainda cá estivesse. Nunca chorámos totalmente a sua morte, porque não sabemos se está morta. Ainda hoje a procuramos, ainda hoje tenho uma tela que deixou por acabar; guardo-a com esperança…

Quanto ao Daniel, nesse ano com dezassete anos, em Janeiro começou a usar boné, nas aulas. A ele era-lhe permitido: o cabelo começara a cair por causa da doença, de difícil diagnóstico. Mas, após a cirurgia, tivemos sempre esperança. Ele levava-nos a isso, era muito corajoso e com força de viver; pouco se queixava, saía do hospital, dos tratamentos de quimioterapia, e vinha directo para a escola, não gostava de faltar. Estava no 12º ano e tinha exames para fazer , queria estar bem preparado. A mãe, sempre preocupada, já não sabia o que fazer: conversava comigo, porque eu era a directora de turma, desabafava e pedia conselhos. O filho não queria ir para arquitectura, tinha o desejo de seguir Design de Moda. Para ela, essa profissão era apropriada para uma mulher, não “teria futuro”. Com tempo, consegui que aceitasse a escolha do filho que, às suas escondidas e com a minha ajuda, preparava o portefólio para entregar na escola de moda. Foi com o meu lema que a convenci: “ acima de tudo, permita que ele seja feliz, permita-lhe que escolha um curso em que se sinta realizado”. Porque não?
No final do 12º ano, o Daniel foi dos melhores alunos, com óptimos resultados nos exames nacionais. Posteriormente, lá ingressou na escola de moda e continuou sendo bom aluno, com projectos sempre apreciados. Amava a vida e, sempre que a doença lhe permitia, dedicava-se ao que mais gostava - a moda. Era um criador! Tudo corria bem até que chegou Julho, no ano passado. Foi-lhe detectado um “problema”, a doença tinha-se espalhado e, a partir daí, sofreu muito. MAS SEMPRE COM UM SORRISO! Falava dos seus projectos e pedia a minha opinião. Era apenas isso que eu lhe podia dar. Não consegui fazer mais nada. Em Dezembro passado, fui apenas capaz de estar mais uma vez na sua presença, mas o seu sorriso nunca mais o verei… a sua força desapareceu. Aprendi muito com o Daniel e agradeço o facto de, um dia, me ter cruzado com um aluno assim. A mãe, apesar do enorme sofrimento, ficou tranquila, porque percebeu que ele foi feliz - fizera aquilo de que gostava enquanto foi capaz.
Ter sido professora destes alunos ajuda-me a crescer. Tornaram-se experiências que me deixaram marcas, muita, muita tristeza. E são estes momentos que me fazem pensar…

(IL, abril de 2010)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O LUTO DAS CERTEZAS DIDÁCTICAS


As pedagogias que se acomodam ao fracasso escolar podem repetir todos os anos, enquanto o programa não muda, transposições e sequências didáticas que foram aprovadas por alunos médios ou bons. Para os alunos em dificuldade, não há método garantido; a relação com o saber, a divisão dos conteúdos, as seqüências de aprendizagens deveriam ser reconstruídas em função de um caso concreto, em um funcionamento inspirado em um procedimento clínico.
A diferenciação também exige uma aposta naquilo que é essencial.
Com frequência, é sábio renunciar ao enfoque do esforço em todo o programa. Assim, deve-se determinar o que importa mais para cada aluno em função das expectativas dos professores que o receberão em outras séries, mas também das possibilidades do momento. O professor deve, em cada caso, reconstruir um currículo e até mesmo os objetivos, fazer-se perguntas que, em princípio, são resolvidas em outro nível da organização, pois ele percebe, dia após dia, que os planos de estudos, os manuais, os procedimentos metodológicos que a instituição lhe propõe valem apenas para os alunos sem dificuldades. Para os outros, tudo está para ser feito ...

Perrenoud, Philippe (2001). A pedagogia na escola das diferenças – fragmentos de uma sociologia do fracasso. Porto Alegre: Artmed

O PRIMEIRO DE TODOS OS OFÍCIOS: Educar a Juventude


Ensinar não é uma actividade como as outras. Poucas profissões serão causa de riscos tão graves como os que os maus professores fazem correr aos alunos que lhe são confiados. Poucas profissões supõem tantas virtudes, generosidade, dedicação e, acima de tudo, talvez entusiasmo e desinteresse. Só uma política inspirada pela preocupação de atrair e de promover os melhores, esses homens e mulheres de qualidade que todos os sistemas de educação sempre celebraram, poderá fazer do ofício de educar a juventude o que ele deveria ser: o primeiro de todos os ofícios.

Pierre Bourdieu (1986)

DIFERENCIAÇÃO PEDAGÓGICA II


Diferenciar é aceitar enfrentar com mais freqüência, de forma mais intensiva e mais metódica, os alunos menos gratificantes: os que resistem, "não jogam o jogo", não querem ser ajudados, às vezes abusam da confian-ça que se tem neles. Os que apresentam muitas lacunas, bloqueios, handi-caps que não sabemos por onde constituir ou reconstituir um mínimo de identidade positiva e de vontade de aprender, nem em que bases construir ou reconstruir aprendizagens. Os desagradáveis, indisciplinados, agressivos, fugidios, preguiçosos, lunáticos, negligentes, sujos ...
É claro que, no ensino público, um professor aceita as classes que lhe são destinadas, mas conserva uma importante margem de manobra nas interações mais individualizadas. Diferenciar é colocar essa margem, integralmente, a serviço dos alunos mais desfavorecidos. É enfrentar a diferença em suas aparências menos abstratas, distâncias culturais e pessoais, conflitos, rejeições. Portanto, é aceitar trabalhar consigo mesmo, com preconceitos e imagens do aluno aceitável (Perrenoud, 1994b, 1994c).

Perrenoud, Philippe (2001). A pedagogia na escola das diferenças – fragmentos de uma sociologia do fracasso. Porto Alegre: Artmed

DIPLOMOCRACIA


Desde há longo tempo que o diploma é (ou é suposto ser) o sinal do saber, que abre as portas do emprego e do prestígio social. O que interessa, na tradição social portuguesa, não é o que se sabe mas o que se aparenta saber. O que interessa não é o saber fazer, não é a adequação desse saber fazer às necessidades empresariais. O que interessa é o diploma.

É por isso que muitos advogados são gestores de empresas sem terem para isso a mínima formação académica (embora possam ter competências experenciais). Ou muitos engenheiros. Ou mesmo muitos professores. O ter (e o parecer) ainda prevalece largamente na ordem social.

Vejamos alguns tópicos para uma análise em torno dos diplomas:

i) os mais diplomados encontram sempre mais empregos que os menos diplomados, mas devem, em todos os níveis, contentar-se com empregos inferiores à qualificação que possuem;
ii) à escala macro-social, o desemprego dos jovens não depende da política de certificação escolar, mas de uma política económica que regula o tempo de trabalho, os salários, as reformas, etc. À medida que cresce o número de diplomados, a rendibilidade relativa dos diplomas diminui, enquanto aumentam as despesas das famílias e do Estado para financiar o prolongamento dos estudos;
iii) a deslegitimação da “nobreza” e da fortuna (como meios de ascensão social) foi acompanhada de uma deslegitimação da experiência. A confiança atribuída ao diploma enraíza-se numa desconfiança em relação à prática. A ideia que se aprende fazendo, que a prática é fonte de saber, não é verdadeiramente admitida: ao contrário, a nossa tradição intelectualista faz-nos crer que apenas os saberes que repousam numa base teórica têm valor.
iv) Fundamento quase exclusivo da superioridade legítima, numa sociedade igualitária onde as situações adquiridas, a fortuna e a idade perderam o seu crédito,o diploma fascina os nossos contemporâneos e focaliza os estudos. Mas o prosseguimento de estudos tem um gosto amargo: o desemprego dos diplomados escandaliza. Sonhamos com uma sociedade onde a obtenção do diploma concederia automaticamente uma determinada posição social. O problema do diploma não é um problema educativo, mas um problema (da hierarquia e da estratificação) social.
v) Hoje como ontem, a origem social cria uma desigualdade de oportunidades nos destinos escolares. Mas são mais as desigualdades culturais dos pais do que as diferenças de recursos que são discriminantes.
vi) O alongamento contínuo da duração da escolarização e o crescimento correlativo do número dos detentores de títulos escolares cada vez mais elevados, por um lado, o agravamento das tensões no mercado de trabalho e o crescimento regular das taxas de desemprego em todas as categorias de diplomados, por outro lado, provocaram a generalização do risco da desqualificação (e do defraudamento de expectativas).
vii) Numa situação em que o número de indivíduos à procura de emprego excede largamente a oferta de emprego pelas empresas, estas beneficiam de um ganho inesperado : elas podem recrutar indivíduos sobrequalificados em relação às exigências do emprego pelo mesmo preço que um indivíduo cuja qualificação corresponde ao posto de trabalho e gerir assim uma reserva de competências.

(A partir do Le Monde de l’Éducation
(n.o 271, Junho 99), dedicado à “corrida aos diplomas”, organizado por
Christian Baudelot e Roger Establet.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Sísifo


Recomeça....
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças...

Miguel Torga

SER PROFESSOR


(...)
“Ser frágil, relacional, inquieto, perplexo; ser na pluridimensionalidade e imprevisibilidade dos acontecimentos; ser livre no peso dos constrangimentos, nos paradoxos da acção; ser confrontado com a alteridade do outro, com a indiferença e as ameaças (ex)implícitas; ser público na aparente privacidade da sala de aula; ser mestre e discípulo; ser compassivo e exigente; ensinar com a razão e a emoção; ser numa ordem balcânica e centrífuga, no silêncio que esmaga e no ruído que grita; ser na escuta e na comunicação; ser eu porque há o outro (os outros): ser professor”.
(José Matias Alves, 2001)

terça-feira, 26 de julho de 2011

Razões do nosso atraso educativo


Comecemos por dar uma vista de olhos pelas qualificações das nossas comunidades emigrantes, pois estas são um reflexo não só das nossas opções do passado, mas também do valor que a cultura nacional atribui à educação.

Talvez não seja muito surpreendente afirmar que as qualificações dos nossos emigrantes em várias partes do mundo são bastante sofríveis. Assim, um estudo sobre as diversas comunidades étnicas em Toronto, Canadá, revelou que, nos meados dos anos 1990, a comunidade portuguesa tinha o menor grau de instrução dos emigrantes de todas as comunidades residentes no território canadiano. Mais concretamente, em 1996, cerca de metade dos imigrantes portugueses não tinha mais do que a instrução primária e cerca de 70% não tinha concluído o ensino secundário.

Porém, o que poderá ser mais surpreendente é que estes dados incluem não só os imigrantes portugueses, mas também as segundas e terceiras gerações de luso-descendentes. Ou seja, por um motivo qualquer, o valor dado à educação pelos nossos emigrantes no Canadá é, em média, muito reduzido. O mesmo se passa em outras partes do mundo.

Assim, no estado de Massachusetts, um dos mais afluentes dos Estados Unidos e destino de uma apreciável comunidade portuguesa, mais de 45% dos emigrantes nacionais nunca tinham frequentado o ensino secundário, somente um terço dos portugueses emigrados tinham completado o ensino liceal, e apenas 6% tinham acabado um curso universitário, percentagens muito abaixo da média desse estado americano. Igualmente, no Luxemburgo, os portugueses são das comunidades de imigrantes com menor grau de educação.

O mesmo se passa na França e na Bélgica, e o mesmo acontecerá em outros países. Sinceramente, não sei como explicar adequadamente porque é que nós damos um valor tão reduzido à Educação.

Provavelmente, uma explicação abrangente sobre este fenómeno incluirá factores económicos, sociais e culturais. É claro que existem condicionantes históricas, tais como o baixíssimo investimento em Educação feito pelo Estado Novo e pelos regimes anteriores. Porém, nada poderá explicar por que é que as segundas e terceiras gerações dos nossos emigrantes continuem a atribuir um valor tão reduzido à Educação.
Fonte: Álvaro Santos Pereira (2011). Portugal na Hora da Verdade. Lisboa: Gradiva

domingo, 24 de julho de 2011

Pedagogia do Projecto Fénix



1. Acreditar (sem a crença na educabilidade do ser humano; sem a crença de que todos podem aprender; sem a crença de que podemos fazer melhor não há mudanças positivas…). E é importante referir, que nos encontros com muitas centenas de professores, esta disposição esteve quase sempre presente. Mesmo quando as dificuldades eram evidentes, foi possível sustentar que sem esta força interior o melhor não seria possível.

2. Construir (o futuro não está todo escrito; somos chamados a construí-lo e a escrever algumas frases da história a vir…; cada aluno e cada professor são mundos singulares que importa descobrir e potenciar). Esta foi uma das constantes observadas na grande maioria dos contextos. A afirmação de que os professores podem ser autores, podem ser criadores de soluções à medida, podem fazer a diferença no enfrentar de problemas difíceis. No relato que transcrevemos infra (cf. Caixa ) é bem evidente esta capacidade de imaginar novos caminhos para a acção didáctica.

3. Exigir resultados e exigir meios (somos obrigados a apresentar resultados que contratualizamos; mas é também obrigatório a disponibilização de meios…; porque podemos ter de fazer omeletes com meios ovos, mas tem sempre de haver ovos). Esta exigência de meios é tanto mais legítima quanto mais evidência de resultados (também procedimentais) conseguirmos evidenciar. E é nesta tensão de auto-exigência e hetero-exigência que a nossa educação tem condições de evoluir.

4. Definir objectivos SMART (isto é, específicos, mensuráveis, atingíveis, realistas, temporizáveis, na esfera organizacional e pedagógica; porque estes objectivos podem guiar, estruturar, animar, sustentar a acção; porque a deriva, a falta de ambição gera a perda de oportunidades de aprender). Sobretudo no campo didáctico (mas também organizacional) esta prática é particularmente recomendável. Porque ensinar requer estruturação, clareza, (auto)orientação, rigor.

5. Reconhecer e valorizar as pequenas acções, gestos, vitórias (porque muitas vezes os entraves situam-se ao nível do auto-conceito, da auto-estima…; e se não houver este trabalho seminal nada de relevante e prometaico acontece). Esta prática foi particularmente recorrente, face à necessidade de cativar alunos que tinham aprendido o desânimo e de lhes demonstrar de que eram capazes de aprender e de evoluir.

6. Reconhecer a importância do obstáculo e dos desafios para a gestão das aprendizagens e colocando-os nas zonas de desenvolvimento proximal dos alunos (porque aprender é ultrapassar obstáculos e vencer desafios…; ninguém se entrega a um trabalho que não seja estimulante e desafiante; daí ser central criar oportunidades de aprender que estimulem a acção, a reflexão, a curiosidade, a descoberta…).

7. Olhar e praticar a avaliação como uma entrada na renovação do modelo didáctico (porque a avaliação tem um largo poder na regulação do trabalho e na implicação dos alunos…). Em numerosos contactos com professores podemos recolher evidências empíricas deste facto. Foi através da alteração das regras do jogo avaliativo que foi possível outra postura e outra implicação dos alunos. Que foi possível que os alunos percebessem que tinham algum controlo sobre a produção das classificações e que, por via disso, adoptassem uma postura de muito mais trabalho que naturalmente tinha efeitos nos resultados escolares .

8. Pensar e gerir o tempo de forma flexível e exigente. No caso específico dos ninhos, a permanência não pode ser um destino, mas uma passagem, uma oportunidade para ganhar o alento (e a arte) do voo. Esta questão foi particularmente sensível em diversas circunstâncias. Os alunos não queriam sair, sentiam-se bem; os professores receavam que a mudança significasse regressão nas aprendizagens. Não havendo uma regra universal, deve afirmar-se que estar no ninho é um tempo para recuperar e acelerar aprendizagens que não se realizaram noutras oportunidades. Por isso, o trabalho nos ninhos não pode ser o mesmo que na turma base; não pode centrar-se na exposição do professor para um grupo de 5 ou 7 alunos. Terá de ser um trabalho individual intenso e exigente.

9. Construir o triângulo dos actores centrais: alunos, professores, pais (numa lógica de partilha de responsabilidades e de estabelecimento de novos compromissos concretos para a acção). O projecto Fénix teve sempre se equacionar a construção deste triângulo. Porque o professor não pode aprender em vez do aluno; porque o aluno (sobretudo o aluno fragilizado) dificilmente aprende sozinho; porque o contexto familiar, no mínimo, não pode destruir o que a escola tenta construir; porque o professor desta compreensão e deste suporte.

10. Ligar o saber ao sabor (porque o saber desconectado das pessoas e da vida tende a ser desprezado, desvalorizado e inútil). Como sustenta Eduardo Prado Coelho:

“Sabemos que, em latim, havia duas formas concorrentes: o sapere e o scrire. De scire veio toda a nossa ciência. Mas scire corresponde à ideia de um conhecimento que apreende o objecto na medida em que o separa, o recorta, o divide, em relação às restantes coisas. É um gesto de discernir ou de distinguir. O sapere aproxima-se das coisas a partir do que elas têm de único: o sabor, o gosto. Sucede que sapere se foi sobrepondo a scire e deu o saber de que hoje dispomos, mas um saber que recolheu as características mais puritanas da tradição científica: e fica um saber que não sabe a nada”.

Esta necessidade de religar os conhecimentos é de uma grande relevância pedagógica e que vai sendo ensaiada e praticada.

11. Instituir uma cultura de exigência e responsabilidade (como condição sine qua non de saída da mediocridade…).

12. Substituir o aborrecimento de viver pela alegria de pensar (Bachelard), porque é a acção reflectida que nos faz sair das rotinas paralisantes, dos argumentos dos bodes expiatórios, que nos faz aprender, que nos faz descobrir novos horizontes, nos faz encontrar as chaves da aprendizagem, sobretudo daqueles que o não querem.


13. Reencontrar a alegria de ensinar neste tempo disfórico é outro propósito do ser hoje professor. Porque nós não podemos enterrar os nossos sonhos, não podemos estar sempre a beber o cálice da amargura. Precisamos da alegria que se encontra no rosto dos nossos alunos quando descobrem enfim o sentido e a gratificação de aprender e no rosto dos nossos colegas quando nos redescobrimos irmãos do mesmo ofício.

Estes foram alguns verbos que foram sendo conjugados num programa de acção que em larga medida já existe nos territórios Fénix. Mas que é sempre preciso reconhecer, estimular e valorizar. Porque os resultados educativos exigem visão, tempo, determinação, consistência, recursos e cooperação. Aqui os deixo acesos, como testemunho e felicitação.

Alves, JM (2011). in Projecto Fénix - Relatos que contam o sucesso. Porto: UCP

quinta-feira, 21 de julho de 2011

AS LIÇÕES DOS MESTRES


As "lições dos mestres" poderão, deverão sobreviver aos ataques?

Creio que sim, ainda que seja sob formas imprevisíveis. Creio que é necessário que sobrevivam. A libido sciendi, a sede de conhecimento, a necessidade profunda de compreender estão inscritas no que de melhor têm os homens e as mulheres. Tal como a vocação do professor. Não há ofício mais privilegiado. Despertar noutro ser humano poderes e sonhos além dos seus; induzir nos outros um amor por aquilo que amamos; fazer do seu presente interior o seu futuro: eis uma tripla aventura como nenhuma outra. À medida que cresce, a família dos nossos antigos alunos é como uma ramificação,a folhagem de um tronco que envelhece (tenho alunos nos cinco continentes). É uma satisfação incomparável ser o servidor, o mensageiro do essencial - sabendo perfeitamente como são raros os criadores ou descobridores de primeira água. (...) ensinar é ser cúmplice de possibilidades transcendentes. Uma vez desperta, essa crainça exasperante que se senta na última fila poderá escrever os versos ou conjecturar o teorema que ocuparão séculos. Uma sociedade, como a do lucro desenfreado, que não honre os seus professores, é uma sociedade defeituosa.

George Steiner (2005). A Lição dos Mestres. Lisboa. Gradiva

O MESTRE


O que é um mestre?
Antes de mais, é alguém que não tem discípulos.
Carece de interesse, pois não faz mais que repetir o que já há, a imagem de um mestre como aquele que orienta o caminho e as metas, que aponta a direcção e o leito a seguir, que transmite aos outros o seu saber e experiência acumulados, que dota de instrumentos.
Pode-se pensar que a obra do mestre enriquece com a sua herança as gerações sucessivas às quais a transmite. Isso não é só falso:: é também um absurdo lógico.
Há gente assim, mas tem outro nome, não o de mestre.
Um mestre desorienta, insatisfaz, empobrece.
Diante do mestre, o resultado a que cada um de nós chegou não basta.
O quanto sabemos é insuficiente, impreciso, aproximado.
Tudo quanto adquirimos exibe um suspeito brilho de quinquilharia diante do mestre.
O mestre é um dispositivo que faz surgir uma imediata desconfiança diante do obtido. Impele, numa contínua insatisfação, a ir mais longe, noutra direcção, d emaneira diferente. Um mestre não convoca e agrupa. Espalha.
Quanto mais a nossa experiência se move no estimulo centrífugo do mestre mas capazes somos de prescindir de modelos, regras, obediências, costumes.
Perdemos segurança. O mestre é aquele que nos tira, uma depois da outra, as provisões acumuladas. Ficamos sem nada nas mãos. Isso pode ser chamado pobreza, mas também liberdade.
O mestre torna livre. Põe-nos frente a um território no qual não há nenhum trilho traçado, de ilimitada extensão, e que devemos percorrer sós.

Josep Quetglas (1996). EASI. Porto:UCP

GRAMÁTICA DAS EMOÇÕES


Segundo António Damásio, a emoção desencadeada por determinado estímulo dá origem a "um programa de acções", diferentes conforme o tipo de emoção, que provocam alterações rosto, no corpo ou no sistema endócrino (estratégias activas). O corar de um rosto, a tensão muscular, o aumento do ritmo cardíaco, ou o aumento da secreção de determinada hormona são exemplos dessas alterações fisiológicas.

Contudo, falar da emoção apenas como um programa de acções é restrito demais, considera o especialista, sustentando que existem também as estratégias cognitivas, "certos estados mentais que fazem parte do programa completo de acções". Como exemplo, o neurobiologista referiu que "a tristeza obriga a certa estratégia cognitiva": num estado de tristeza, uma pessoa não pensa num jantar agradável e divertido, mas é capaz de pensar na morte.
"É sabido que é difícil uma atenção focalizada em momentos de extrema tristeza ou que durante emoções de medo pode haver uma capacidade de aprendizagem aumentada", disse. Mas a questão da emoção é ainda mais complexa, porque as emoções (esses programas de acções) são desencadeadas por determinados estímulos que não têm obrigatoriamente o mesmo efeito em pessoas diferentes.
Os estímulos podem ser objectos ou situações, actuais ou existentes na mente, e alguns são evolucionais e outros são aprendidos individualmente. "Situações que causem medo ou compaixão são muito antigas e são colocadas em nós pela evolução, estão nos genomas", por isso são evolucionais, explicou António Damásio.
"Mas se o estímulo que desencadeia emoções é uma determinada pessoa que nada tenha a ver com a História ou evolução, mas com aspectos de aprendizagem que tenham só a ver connosco", está-se perante um estímulo individual, acrescentou.

Três tipos de emoções
A propósito, o cientista referiu três tipos de emoções: as de fundo, que são mais vagas, como o entusiasmo ou o desencorajamento, as primárias, que são mais pontuais, como a tristeza, o medo, a raiva ou a alegria, e as sociais, que são um resultado sócio-cultural, como a compaixão, a vergonha ou o orgulho.
Passada a exposição da sua teoria sobre a emoção, António Damásio debruçou-se sobre o que são os sentimentos, explicando que são por um lado alterações do corpo que podem ser reais ou simuladas, e por outro estados alterados de recursos cognitivos.
"Nem todas as alterações que sentimos no corpo são necessariamente as que se estão a passar", pois é possível o cérebro simular essas alterações sem que elas realmente aconteçam.
Quanto aos "estados alterados de recursos cognitivos", António Damásio refere-se à percepção que a pessoa tem de que algo se modifica no seu espírito, na maneira de pensar ou na tendência para agir de determinada forma. No final da palestra, o investigador tratou de explicar "como é que sentimos uma emoção".

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Escola, Aluno ou Aprendizagem?


A escola centrada no aluno ou na aprendizagem
O primeiro dilema é: a escola centrada no aluno ou na aprendizagem? É um dilema muito importante, porque todos nós partilharemos a ideia de que a escola deve estar centrada no aluno. Mas vou defender aqui a escola centrada na aprendizagem.
No meu último livro, faço uma crítica ao que chamo de “transbordamento da escola”. Há hoje [na escola] um excesso de missões. A sociedade foi lançando para dentro da escola muitas tarefas – que foram aos poucos apropriadas pelos professores com grande generosidade, com grande voluntarismo –, o que tem levado em muitos casos a um excesso de dispersão, à dificuldade de definir prioridades, como se tudo fosse importante. Muitas das nossas escolas são instituições distraídas, dispersivas, incapazes de um foco, de definir estratégias claras. E quando se enuncia cada uma dessas missões ninguém ousa dizer que não são importantes. Mas a pergunta que se deve fazer é: a escola pode fazer tudo? É preciso combater esse “transbordamento”. Tudo é importante, desde que não se esqueça que a prioridade primeira dos docentes é a aprendizagem dos alunos.
A pedagogia tradicional era baseada nos conhecimentos e na transmissão dos conhecimentos. A grande ruptura provocada pela pedagogia moderna foi colocar os alunos no centro do sistema. Mas a pedagogia moderna precisa ser reinventada na sociedade contemporânea. Não se trata de centrar na escola nem nos conhecimentos, como advogava a pedagogia tradicional, nem nos alunos, como advogava a pedagogia moderna, mas, sim, na aprendizagem. É evidente que a aprendizagem implica alunos. A aprendizagem implica uma pessoa, um aluno concreto, implica o seu desenvolvimento, o seu bem-estar. Mas uma coisa é dizer que nosso objetivo está centrado no aluno e outra coisa na aprendizagem do aluno. E definirmos isso como nossa prioridade no trabalho dentro das escolas.
A aprendizagem necessita também dos conhecimentos. E os conhecimentos, é preciso reconhecer, durante algum tempo foram uma espécie de paradigma ausente de muitas práticas pedagógicas. A melhor expressão que define isso é “aprender a aprender”, a ideia de que se poderia aprender num vazio de conhecimentos. É preciso insistir na ideia de centrar o foco na aprendizagem e que essa aprendizagem implica em alunos e conhecimentos. Ela não se faz sem pessoas e uma referência às suas subjetividades, sem referências aos seus contextos sociais, suas sociabilidades. Mas ela também não se faz sem conhecimentos e sem a aprendizagem desses conhecimentos, sem o domínio das
ferramentas do saber que são essenciais para as sociedades do século XXI, que todos querem ver definidas como sociedades do conhecimento.
António Nóvoa

Google e Memorização


O “efeito Google” e a memorização da informação
Há quatro anos, Betsy Sparrow, psicóloga e professora assistente da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, estava a ver um filme a preto e branco, dos anos 40. Sabia que conhecia uma das actrizes, a cara era-lhe familiar, mas... não se lembrava do nome dela. Não perdeu muito tempo. Agarrou no smartphone, entrou na Internet e teve a resposta em segundos. "Como é que se fazia antigamente para memorizar coisas destas?", recorda-se de perguntar, em conversa com o marido, nessa mesma noite.
Algum tempo depois, decidiu estudar a questão, com dois colegas. A equipa acaba de publicar um artigo na revista Science que resulta de uma série de experiências com estudantes da Universidade de Harvard. Chama-se O Efeito Google na Memória: Consequências cognitivas de ter a informação na ponta dos dedos. Uma das experiências consistiu, no essencial, no seguinte: pediu-se a um grupo de estudantes que escrevessem no computador um conjunto de informações; antes de começarem, os investigadores disseram a metade dos alunos que o que iriam escrever ficaria guardado no computador; à outra metade foi dito que a informação se perderia. De seguida, pediu-se-lhes que reproduzissem as frases, de cabeça. Resultado: os que achavam que a informação tinha desaparecido revelaram, de longe, melhor memória, "como se os seus cérebros tivessem feito um backup". Os que acreditavam que poderiam consultar a informação, porque ela estava guardada, saíram-se pior.
Numa outra experiência, os estudantes tiveram que escrever perguntas e respostas, sendo a informação guardada em diferentes "pastas". No final, os alunos revelaram ser mais capazes de recordar as "pastas" onde podiam encontrar as respostas do que as respostas propriamente ditas.
Se dantes as pessoas confiavam nos livros, nos colegas e nos familiares para as ajudarem a encontrar determinadas informações - é um clássico, por exemplo, que os homens confiem que as mulheres não deixarão escapar uma data importante e que elas confiem nos maridos para se lembrar do nome de um amigo distante - hoje confiamos cada vez mais que a Net cumpre essa função. A Net tornou-se uma espécie de banco pessoal de memória.

terça-feira, 5 de julho de 2011

ORAÇÃO DO LIVRO


Dá-nos, Senhor, o nosso livro de cada dia, temos sede de justiça: é o nosso vinho; morremos de fome de amor: é o nosso pão.
Dá-nos lábios puros para o ler, mãos limpas para o tocar, pureza para o merecer. Foi feito também para que os homens maus o leiam, porque ele é água límpida na qual se purificam as almas sujas, bálsamo fino para todas as dores.
Dá-nos o livro que todos possam ler, que seja para todos como o sol e todos o compreendam como a água. Que nos alumie neste comprido caminho que se chama vida: queremos luz; que nos levante desta terra em que nos arrastamos: queremos asas.
Queremo-lo suave de coração, cheio de cantos como uma árvore, e que repouse nos nossos joelhos como uma criança. Não importa que seja humilde, desde que se ofereça às nossas mãos como um fruto: ou que seja de aparência débil, desde que encha um ninho.
Construir-lhe-emos uma casa, para que nela habite com decência; defendê-lo-emos das mãos pérfidas que o espiam, para que sirva a todos; levantá-lo-emos do chão quando cair, para que outros o não ultrajem; vesti-lo-emos, se estiver nu, com a seda da nossa devoção contida. Nele vivem almas que tiveram a mesma dor do nosso pranto, sofreram na carne viva outras ideias, desesperaram-se por outros sonhos; mas ele não permanecerá quieto na sua casa, pois foi feito com a inquietação, com a dor e o amor de cada dia, e por isso, quando a noite for mais escura e o caminho mais pavoroso de perigos, aparecerá para oferecer pão e vinho aos que têm sede de justiça, fome de amor.
Os meninos ricos lê-lo-ão e os pobres amá-lo-ão, porque os homens fizeram-no para todos os homens. Irá, de mão em mão, como a boa semente de campo em campo, e será suave como o ninho; delicioso, inteiro, como o fruto.
Quando todos o tiverem lido, apagar-se-á a horrível chama da guerra, o rico não explorará o pobre, e haverá riso e boas acções no mundo, cantigas no trabalho, e os homens de boa vontade não mais se odiarão. Não haverá crianças descalças, crianças que levantarão as mãos não para pedir mas para dar. Todos acreditarão num mesmo Deus; nem a arte, nem a ciência, nem a religião serão privilégio de alguns, e a vida terá então o seu mais alto sentido.
Dá-nos, Senhor, o livro precedido de chamas como o profeta que baixou dos céus. Ele não é o barco de guerra que traz gente armada; este barco traz livros para as crianças ou para os sábios e para os que têm fome de conhecimento, sede de misericórdia.
Dá-nos, senhor, o livro do Norte e do Sul, o que está escrito com espírito, o que conhece a amargura mais íntima do coração. Os homens bons – que são mais do que os homens maus – saem a recebê-lo de braços abertos. Dá-nos, senhor, o livro antena, aquele em que repercute o grito dos outros homens, o que traz paisagens longínquas. E deixa, Senhor, que ele nos alumie neste comprido caminho da vida e nos seja límpido como a torrente, generoso como o fruto, suave como o ninho; e só nos caia das mãos quando a morte chegar.

Rafael Heliodoro Valle, in GAMA, Sebastião da, Diário, Lisboa, Presença, 2011, pp. 343 e 344

INSTRUIR E EDUCAR


“Em primeiro lugar, eu acho que se deve fazer uma grande diferença entre instruir e educar. Instruir é um parente do verbo construir. Nós vamos dando, na medida em que podemos instruir alguém ou alguma coisa, nós vamos dando o tijolo com que ele vai fazer o seu próprio edifício à sua vontade. Instruímos. E também não é por acaso que a palavra aluno é um particípio passado de um verbo que se deixou de empregar e significa o alimentado. O aluno é aquele que nós alimentamos.

A origem da palavra alimentar e aluno é exactamente a mesma, não é? E o outro é instruir. Ao passo que educar já tem o elemento que significa conduzir. É parente dessa palavra. E até possivelmente o elemento de reduzir. De maneira que quando passamos do instruir para o educar, nós não estamos a dar tudo o que é necessário para ele construir o edifício à sua maneira, segundo o seu gosto, mas estamos sempre a ter o perigo de reduzir o que ele era para o habituar aos nossos costumes, para ele viver na nossa sociedade. Há outra maneira de fazer? Nenhuma outra. Estamos nesta sociedade que tem determinadas características. Evidentemente que o que temos que fazer é proceder de tal maneira que ele não fique um estranho dentro dessa sociedade. Só? Não, porque agora já estamos pensando que há mais coisas para além disso. Que há o tal ideal de depois de realizarmos um empreendimento deixar uma determinada profissão para sermos nós próprios. Que é por exemplo o que falta aos reformados. Porque é que os reformados morrem tão facilmente? Porque quando eles deixam de ser os trabalhadores de um determinado sector eles apenas têm para viver a recordação disso. E uma saudosa recordação. Porque cai sobre eles o tempo livre, que é a carga mais pesada que alguém pode ter na sua vida, e não lhes resta nenhuma ocupação, senão às vezes definharem molemente e melancolicamente num cafezinho, chupando um cigarrinho triste.”

Agostinho da Silva, entrevista da RTP, Conversas Vadias, entrevistado por Joaquim Letria.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

SER PROFESSOR


“Ser frágil, relacional, inquieto, perplexo; ser na pluridimensionalidade e imprevisibilidade dos acontecimentos; ser livre no peso dos constrangimentos, nos paradoxos da acção; ser confrontado com a alteridade do outro, com a indiferença e as ameaças (ex)implícitas; ser público na aparente privacidade da sala de aula; ser mestre e discípulo; ser compassivo e exigente; ensinar com a razão e a emoção; ser numa ordem balcânica e centrífuga, no silêncio que esmaga
e no ruído que grita; ser na escuta e na comunicação; ser eu porque há o outro (os outros):
ser professor”.

José Matias Alves (2001).

sábado, 25 de junho de 2011

OS PROFESSORES E A VULNERABILIDADE


A concepção de vulnerabilidade enquanto condição estrutural do ser professor (alguns até lhe chamariam "condição existencial", Van Den Berg, 2002) ajuda-nos a compreender a grande variedade de diferentes emoções que a acompanham, em particular quando se lida com exigências de mudança. A falta de controlo total, o facto de os procedimentos de prestação de contas negligenciarem ou instrumentalizarem (e, desse modo, reduzirem) a dimensão interpessoal do ensino, a ausência de uma sustentação válida que justifique as suas acções enquanto professor constituem a real idade que os professores têm de suportar: não há como escapar. "Ensinar é ser vulnerável (. .. ) ser vulnerável é ser capaz de ser ferido" (Bullough, 2005: 23). Isto explica por que tantos professores tomam uma posição positiva em relação aos padrões e aos testes estandardizados. Os padrões e os testes garantem a certeza ou são a prova final da "qualidade" de alguém enquanto professor - mesmo que seja uma certeza ilusória que requer uma compreensão (e experiência) muito redutora da relação educativa.

Por outro lado, a condição da vulnerabilidade é, ao mesmo tempo, o que constitui a grande possibilidade para o "pedagógico" acontecer numa relação interpessoal entre professores e alunos. A relação de uma ética e, desse modo, de um compromisso vulnerável abre a possibilidade de a educação (literalmente) "ter lugar". Tal encontro faz com que o professor sinta que está mesmo "a fazer a diferença enquanto pessoa" na vida dos alunos. O prazer, o orgulho e a satisfação pessoal existencial são as emoções que o acompanham.

In
Geert Kelchtermans (2009) O comprometimento profissional para além do contrato: Autocompreensão, vulnerabiIidade e reflexão dos professores.

DÉFICE DE PEDAGOGIA


Vivemos um tempo paradoxal em que o senso comum parece proclamar que estamos assim (no campo dos processos e dos resultados educativos) por causa do excesso de pedagogia. Ora, estamos assim, justamente, por causa do seu défice.
Porque temos dificuldade em transmitir conhecimentos. Porque não sabemos didactizá-los de modo potenciar a aprendizagem. Porque a avaliação que usamos é pobre e está ainda pouco ao serviço da aprendizagem. Porque não conhecemos o suficiente a bioquímica do cérebro e o modo como aprende. Porque os métodos de ensino são por vezes monótonos, repetitivos e entediantes. Porque na sociedade de consumismo em vivemos é muitas vezes difícil conduzir os alunos pelo árduo caminho do método, do rigor, do significado, do sentido.
Tudo isto é a pedagogia que precisamos de redimir e activar. Longe das frasealogias e dos discursos que nada dizem.

SOPA COM O GARFO


O ser humano converteu-se num especialista em complicar as coisas e em complicar a sua própria vida e relações. Procuramos problemas, inventamo-los e, se já existem, procuramos torná-los ainda mais intrincados. Podendo fazer tudo de forma complicada, porquê tentar fazê-lo de forma mais simples? Não nos aceitamos a nós próprios, comparamo-nos com os outros, competimos com todos. Sofremos mais com a perda de um ser querido do que, em comparação, desfrutamos com a sua presença. Se nos falta saúde, lamentamos não tê-la valorizado quando a tínhamos. Fabricamos labirintos para nos perdermos. Se o Pedro se enamora da Maria, é provável que esta se enamore do João. Complicamos tudo. Tentamos despir a camisa antes de tirar a camisola. Destacamos o negativo. Por exemplo, se podemos viajar de avião (conquista quase incrível), o que mais nos afecta é a distância de casa ao aeroporto.

José María Cabodevilla escreveu um livro muito bonito (mais um e superam já a vintena) sobre a incrível arte que praticam os humanos de complicar as coisas. O título do livro, que encabeça estas linhas, é um bom exemplo deste processo. Ninguém pode negar que comer a sopa com um garfo é ter vontade de o fazer difícil, de demorar muito e de não desfrutar da sopa. O subtítulo do livro é uma síntese perfeita: tratado das complicações humanas.

O ser humano, diz Cabodevilla, é complicado na forma como pensa, como ama e como sofre. De facto, os humanos gostam de percorrer o caminho mais longo e mais tortuoso, organizar corridas de obstáculos e aproximar o piano do banco em vez de chegar este ao piano

Nuno Crato e o "Eduquês" (?!...)


O novo Ministro da Educação (e da Ciência e do Ensino Superior) despreza a escola progressista e as “pedagogias modernas”. Diz que um dos principais problemas da escola portuguesa é a falta de exames. O seu discurso fácil deve ser examinado.
Nuno Crato desconfia dos métodos pedagógicos não directivos e prefere a escola da transmissão de conhecimentos. Eriça-se contra o “eduquês” e deleita-se com os modelos de ensino chinês e japonês. Lembra que primeiro é preciso saber os nomes das capitais e as linhas de caminho de ferro e só depois pensar. Sublinha que a política educativa deve servir para seleccionar e não para incluir. Diz ainda que em Portugal não há exames e que isso é uma pena porque a fazer exames aprende-se mais do que a estudar de forma calma e descontraída. Mais: rejeita a “pedagogia romântica e construtivista” até porque “Rousseau não era um homem das luzes”. Diz que nunca ouviu falar da escola de Summerhill, talvez porque prefira a autoridade explícita à “motivação e disciplina interior”. Para Crato “desaprende-se com as ciências da educação” e até nem era mal pensado “implodir o Ministério” .
O cardápio de disparates é longo. Mas tudo é dito do alto da cátedra, qual D.Quixote a combater inimigos imaginários. A culpa da falência da escola é a sua contaminação pelos métodos activos, pelas pedagogias não directivas, pelo “aprender a aprender”, pelo ensino “centrado no aluno”, ou pela “aprendizagem por competências”. Ignora Crato que as únicas escolas ou grupos de professores que aprofundaram estes métodos – como a Escola da Ponte ou o Movimento Escola Moderna – obtêm excelentes resultados ao nível da preparação dos alunos. Ignora Crato que na maior parte das salas de aula deste país prevalece ainda o ensino centrado no discurso do professor. Ou talvez não ignore. Talvez pretenda apenas agitar um fantasma que poucas vezes saiu dos sótãos para assim legitimar um regresso ao passado e à matriz conservadora. Mas se queremos uma escola de massas ela não pode ser livresca e directiva, pois assim rapidamente deixará de ser para todos. O projecto de Crato é por isso elitista.
Compreende-se o equívoco. O livro que popularizou Crato e as suas ideias chama-se “O Eduquês em Discurso Directo: Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista”. Ora, se Crato se levasse a sério assumiria que a Pedagogia Romântica e Construtivista nunca passou, salvo honrosas excepções, disso mesmo, de discurso directo. “Eduquês” foi a palavra utilizada pela primeira vez por Marçal Grilo para criticar o discurso hermético dos documentos do Ministério da Educação, uma reacção contra o ininteligível. Em boa verdade é até uma crítica justa. A pedagogia, em vez de passar para as salas de aula, passava apenas para os papéis com uma linguagem muitas vezes anti-pedagógica porque nada queria dizer. Naturalmente, um discurso que não tem nenhuma relação com a prática só pode aparecer aos olhos dos professores como um balão cheio de ar, uma bula incompreensível. Por isso este “eduquês”, sem porta por onde entrar nas salas de aula, transformou-se num “burocratês”, numa parafernália de reuniões, de planos de recuperação, de projectos educativos e projectos curriculares de turma, que raramente têm algum significado para o trabalho de alunos e professores, dada a gritante falta de meios humanos e materiais. Com um corpo docente precarizado, e salas a abarrotar, sem equipas multidisciplinares e apoios educativos que dispensem as explicações privadas, seria difícil esperar a “massificação” da tão necessária “pedagogia moderna”.
O equívoco ajuda a explicar a popularidade de Crato no seio dos professores. É um discurso que agrada tanto aos adeptos da escola antiga como aos que estão fartos do autoritarismo burocrático que tem passado pelo Ministério. Rodrigues e Alçada deixaram-lhe o terreno fértil. Quiseram fazer do sucesso escolar um desejo estatístico, culparam os professores pelos fracos resultados sem lhes dar os meios. Facilitaram a vida ao discurso anti-“facilitismo”. Colaram o sensato objectivo do fim dos chumbos a uma espécie de atribuição de diplomas à ignorância. Souberam queimar uma ideia e abriram caminho aos espinhos de Crato.
O pior é que o pensamento do Ministro Independente cola às mil maravilhas com o programa neoliberal da troika e do governo: despedimentos em massa de professores, cortes orçamentais draconianos em cada escola, turmas maiores, menos apoios educativos. Talvez nesta altura os docentes que se deixaram encantar pelo discurso da sereia compreendam o desenho por inteiro. Afinal, a escola autoritária e livresca sempre é mais barata do que a tal escola moderna. É uma escola mais fácil porque será mais elitista.
Ser exigente não é pedir mais exames, porque eliminar, seriar e avaliar é muito fácil. A dificuldade, a exigência, o combate contra o facilitismo, é a construção de uma escola democrática, de qualidade, de massas, e que dá tudo por tudo para que cada aluno/a cresça, aprenda, saiba, seja, critique, pense. Para este trabalho tão trabalhoso já sabemos que não podemos contar com o esforço e o mérito de Nuno Crato. Nesse exame chumbará por falta de comparência.
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Miguel Reis

domingo, 19 de junho de 2011

Problemas da escola hoje e formação de professores


A escola de hoje, ao abranger toda a população escolarizável, está envolvida em todo um conjunto de problemas e dificuldades, com os quais os professores (e a comunidade educativa em geral) têm de lidar.
Eis algumas situações exemplificativas destes problemas e dificuldades: (i) violência escolar/ bullying (Raum, 2009), isto é, um tipo de comportamento agressivo e negativo, executado repetidamente, que ocorre num relacionamento onde há um desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas; (ii) indisciplina em contexto escolar (Caeiro e Delgado, 2005; Amado e Freire, 2009, Picado, 2009), um comportamento desviante em relação a uma norma explícita ou implícita sancionada em termos escolares e sociais; (iii) abandono escolar (Canavarro, 2007), atitude relacionada com o deixar o sistema escolar em idade de frequência obrigatória do mesmo, sem obtenção da certificação devida; (iv) insucesso escolar, (Fonseca, 1999) caracterizado pela incapacidade de uma criança/adolescente/jovem corresponder aos objectivos da escola em termos escolares, sendo que uma das manifestações é exactamente o abandono escolar; outros desafios se apresentam ainda, como o alargamento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos, a qualidade das aprendizagens dos alunos, a diferenciação pedagógica, a gestão escolar, problemas de inclusão/exclusão, entre outros.
As situações enumeradas fazem com que se fale hoje, com muita frequência, em “crise da educação”, mas, esta crise pode ser aqui encarada como uma oportunidade de crescimento. Para que tal possa acontecer será necessário (re)pensar o processo de construção da identidade profissional docente e respectiva formação. Esta identidade é construída e vivida no contexto das escolas como organizações, tornando indissociáveis as dimensões pessoais e colectivas do seu exercício. As relações colegiais e colaborativas entre os membros do corpo docente nas escolas são largamente reconhecidas como um factor determinante e muito forte para o desenvolvimento da escola, para a implementação bem sucedida das inovações e para a satisfação profissional (Kelchtermans, 2009). Neste sentido, García (1999) aposta no “desenvolvimento profissional dos professores”, enquanto abordagem na formação de professores que valoriza o carácter pessoal e contextual, organizacional e orientado para a mudança. Esta abordagem pressupõe a ultrapassagem do carácter tradicionalmente individualista das actividades dos professores. Assim, o desenvolvimento do professor não ocorre no vazio, mas inserido num contexto mais vasto de desenvolvimento organizacional e curricular.
Deixamos aqui elencados os modelos de desenvolvimento profissional dos professores apresentados por este autor (Garcia, 1999):
a) Desenvolvimento profissional autónomo, no qual os professores decidem aprender por si mesmos, de acordo com as necessidades sentidas, dirigindo os seus próprios processos de aprendizagem e de (auto)formação, aliás, em consonância os princípios de aprendizagem dos adultos. Exemplos deste tipo de formação podem ser cursos à distância de aprofundamento de leituras, ou cursos de especialização não directamente destinados a formar docentes…cursos de verão, cursos de especialidade, doutoramentos, seminários permanentes…
b) Desenvolvimento profissional baseado na reflexão, no apoio mútuo e na supervisão, segundo o qual a reflexão é tida como estratégia para o desenvolvimento pessoal, promovendo competências metacognitivas que permitam ao professor conhecer, analisar, avaliar e questionar a sua própria prática docente, por ex., através de análise de casos ou de biografias profissionais.
c) Desenvolvimento profissional centrado na escola e em projectos, que é baseado nas necessidades da escola, utilizando o saber-fazer dos professores da escola e implicando os professores na implementação de uma inovação potenciadora de ocorrências de mudanças significativas.
d) Desenvolvimento profissional através de cursos de formação, em que um grupo de professores participam durante um certo período de tempo em actividades estruturadas para alcançar determinados objectivos e realizar tarefas estabelecidas, as quais levam a uma nova compreensão e mudança da conduta profissional.
e) Desenvolvimento profissional através da investigação, de acordo com este modelo surge a imagem do professor como investigador ligada ao movimento de investigação-acção, procurando melhorar a profissionalidade, através de um aprofundamento da capacidade de análise crítica, centrada na prática, num projecto estruturado, concebido para enfrentar um problema concreto.

Importa, no entanto, que qualquer que seja o modelo utilizado, este possa ser inserido no quadro de uma “aprendizagem organizacional”, ou seja, entendendo a escola como uma organização que aprende (Bolívar, 2003). Nesta óptica, a escola e os seus actores, ao aprenderem colegialmente, possuem uma competência nova com a qual podem resolver criativamente os seus problemas. Senger (citado em Bolívar, 2003) define “organizações que aprendem” como “organizações onde os indivíduos expandem continuamente a sua aptidão para criar os resultados que desejam, onde se criam novos e expansivos padrões de pensamento, onde a aspiração colectiva fica em liberdade, e onde os indivíduos aprendem continuamente a aprender em conjunto”.


Referências bibliográficas
Amado, J. S. & Freire, I. P. (2009). A(s) indisciplina(s) na escola. Compreender para prevenir. Coimbra: Almedina.
Bolívar, A. (2003). A escola como organização que aprende. Em R. Canário (Org.), Formação e situações de trabalho. Porto: Porto Editora.
Caeiro, J. & Delgado, P. (2005). Indisciplina em contexto escolar. Lisboa: Instituto Piaget.
Canavarro, M. (2007). Para a compreensão do abandono escolar. Lisboa: Texto.
Fonseca, V. (1999). Insucesso escolar. Lisboa: Instituto Piaget.
García, C. M. (1999). Formação de professores, para uma mudança educativa. Porto: Porto
Kelchtermans, G. (2009). O comprometimento profissional para além do contrato: auto-compreensão, vulnerabiIidade e reflexão dos professores. Em M. Flores e A. Veiga Simão (Org.), Aprendizagem e desenvolvimento profissional de professores: contextos e perspectivas. Mangualde: Pedago.
Picado, L. (2009). A indisciplina em sala de aula: uma abordagem comportamental e cognitiva. Psicologia.com.pt o portal dos psicólogos. Recuperado em 2011, Junho 13, de http://www.psicologia.com.pt
Raum, E. (2009). Bullying. Londres: Capstone Global Library.

Roque R. Antunes

Pensamento educacional de Hirsch


Em que consiste o novo paradigma?
Em 1998, eu escrevi isto a propósito do novo paradigma educacional proposto por E. D. Hirsch:
"Central no modelo curricular de Hirsch é a recusa da transposição simples e imediata dos resultados das investigações em Psicologia e em Sociologia para o campo educativo.
Os resultados das investigações educacionais devem, também, ser encarados com muito cuidado e a sua transposição para a prática educacional nem sempre é recomendável, uma vez que a qualidade da escola e do ensino exige estabilidade e continuidade de processos, sendo, portanto, incompatível com a realização de experiências sucessivas, mal conduzidas e frequentemente pouco testadas.
Uma tese central no pensamento de Hirsch é que a educação e a escola têm vindo a sofrer, nas últimas décadas, sucessivas pressões por parte de alguns investigadores, políticos e decisores demasiado apressados na tentativa de transposição dos resultados das investigações das Ciências Sociais, e em particular da Psicologia e da Sociologia, para a prática educacional.
Essas pressões têm vindo a criar uma grande instabilidade e confusão sobre as finalidades e os meios educacionais, transformando, por vezes, as escolas em laboratórios e os alunos em cobaias.
A recusa da escola como palco de batalhas políticas expressas através de sucessivas revisões curriculares, com a finalidade de subordinar os objectivos e os conteúdos do ensino à filosofia política e à agenda político-pedagógica das elites com poder de decisão, constitui outra importante linha de força do modelo curricular de Hirsch.
A esse propósito, Hirsch considera que uma das razões que explicam o declínio da qualidade de ensino, nas últimas décadas, tem sido o movimento pendular de pressão a que a escola e o currículo foram submetidos, ao sabor das modas psicopedagógicas apressadamente "vendidas" como soluções milagrosas para a reforma educativa.
Os "vendedores de modas pedagógicas" são, regra geral, pessoas desligadas dos problemas do dia-a-dia escolar e interessados em "vender" aos professores as últimas novidades criadas por pequenos e grandes "gurus" que arrastam consigo pequenas multidões de servidores acríticos.
Os "vendedores de modas pedagógicas" fazem da inovação permanente o seu objectivo, procurando remover do currículo e da prática educativa tudo aquilo que o tempo e a experiência testaram e mostraram possuir valia e eficácia. A justificação que dão para a desvalorização dos conteúdos não podia ter menos sentido, na perspectiva de Hirsch.
A pretexto de que a Ciência e a Tecnologia avançam a um ritmo muito rápido, tornando obsoletos os saberes adquiridos, não seria necessário o conhecimento, pelos alunos, dos fundamentos, trajectórias, princípios, leis e teorias que marcaram os progressos da Humanidade nos domínios das Humanidades, Ciências, Técnicas e Artes.
Esses autores recusam ver, segundo Hirsch, que a resolução de problemas só assume significado para o aluno quando previamente assente num conjunto de informações e dados constitutivos dos vários ramos do saber. A resolução de problemas não se faz no vácuo e jamais pode ser dissociada dos conteúdos que constituem o "corpus" do currículo escolar".
A propósito das propostas educacionais de E. D. Hirsch, escrevi também isto:
"Considera-se que os conteúdos e as competências não são mutuamente exclusivas, antes surgem associados, embora só faça sentido o desenvolvimento de competências por referência a determinados conteúdos.
A aprendizagem de novas competências não se faz no vácuo, exigindo, pelo contrário, uma relação íntima com os conteúdos que lhes dão substância e significado. Ou seja, o saber-como e o saber fazer só têm sentido se estiverem relacionados com o saber que. E. D. Hirsch critica o facto de muitas escolas desvalorizarem os conteúdos, mostrando-se céptico em relação às metodologias que apenas promovem o aprender a aprender, o saber como e o saber-fazer.
Na verdade, E. D. Hirsch não prescreve metodologias de ensino e está mais preocupado com aquilo que se ensina do que com a forma como se ensina. Partindo do princípio de que os alunos aprendem de maneira diferente uma vez que são portadores de estilos cognitivos diferentes, E. D. Hirsch recomenda a utilização de metodologias diversas, embora critique a ausência de momentos para a memorização de factos, datas e noções e a desvalorização do treino, da prática e da repetição.
A aprendizagem é um processo que exige esforço continuado, muita repetição, perseverança, cumprimento rigoroso de objectivos, orientação clara e continuada do professor e o acesso a materiais auxiliares de grande qualidade e clareza.
Embora o objectivo seja o desenvolvimento de operações cognitivas de alto nível cognitivo, considera-se que a memorização e as actividades repetitivas ajudam o aluno a desenvolver mecanismos de aprendizagem que são essenciais para o acesso a operações mais complexas.
Os automatismos decorrentes das actividades de repetição constituem, no entender de Hirsch, instrumentos essenciais ao progresso da aprendizagem, facilitando, simultaneamente, o gosto pelo aprender.
O currículo apresenta-se de acordo com uma sequência lógica que acompanha o nascimento e desenvolvimento das civilizações, das ciências, da tecnologia e das artes. O respeito pela sequência das etapas civilizacionais e culturais é um requisito básico, porque facilita a compreensão do aluno e evita repetições indesejadas das matérias e saltos no tempo.
Prof. Ramiro Marques

quinta-feira, 16 de junho de 2011

A ESCOLA E A ILITERACIA DIGITAL


A escola continua a ser o lugar mais privilegiado para a divulgação e a utilização didáctica e crítica das novas tecnologias da informação e da comunicação (TIC).
Por isso mesmo, torna-se imprescindível que os docentes sejam formados e motivados para uso dessas novas tecnologias, concebendo-as como instrumentos que devem interagir com os projectos pedagógicos a desenvolver com os alunos.
Todavia, é importante reconhecer que, apesar da assumida necessidade de incluir todas as novas tecnologias no processo educativo, uma boa escola continua a ser o que sempre foi: um espaço em que aprendentes e educadores se encontram, num ambiente que estimula a auto estima e o desenvolvimento pessoal e que oferece janelas de oportunidade para o sucesso num mundo que gira em contra ciclo, ao promover o egoísmo, o individualismo e a concorrência desregrada.
É que não há nenhuma solução tecnológica que seja capaz de induzir o milagre de transformar um espaço pobre em relações humanas num lugar interessante e adequado para gerar a construção de um cidadão com sólidos valores morais e com uma ética de respeito para com os princípios da democracia e do humanismo.
Vivemos num novo milénio que pretende reconfigurar a sociedade, atribuindo-lhe um novo formato centrado em novas formas de receber e transmitir a informação, o que implica uma busca interminável do conhecimento disponível. Para alcançar tal objectivo, imputa-se à escola mais uma responsabilidade: a de contribuir significativamente para que se atinja o que se convencionou designar por analfabetismo digital zero. Para tal, a educação para a utilização das TIC precisa ser planeada desde o jardim-de-infância. Sem preconceitos ou desnecessárias coacções, sem substituir atabalhoadamente o analógico pelo digital, mas sim reforçando a capacidade cognitiva dos alunos e guiando a descoberta de novos horizontes.
Este novo movimento de ruptura não deve representar a eliminação ou a fictícia substituição dos meios de comunicação de massa tradicionais. O que há de novo é a necessidade de fazer convergir todos esses meios num processo integral de formação do indivíduo, capacitando-o para descodificar as mensagens que lhe saltam em cada canto e cada esquina da sociedade do conhecimento.
Esse movimento deve ser capaz de preparar os jovens para serem leitores críticos e escritores aptos a desenvolver essas competências em qualquer dos meios suportados pelas diferentes tecnologias. Hoje, não basta que o aluno só aprenda a ler e escrever textos na linguagem verbal. É necessário que ele aprenda a “ler” e a “escrever” noutros meios, como o são a rádio, a televisão, os programas de multimédia, os programas de computador, as páginas da Internet e, até, o telemóvel…
Por tudo isso, as novas tecnologias da informação e comunicação devem obrigar à alteração dos currículos escolares e a modificação da formação e actuação do professor, que se deve sentir obrigado a actualizar-se em relação às TIC, de forma a acompanhar a dinâmica de obtenção de informação e de transformação desta em conhecimento. Nesse processo, a educação à distância assume-se como um indispensável complemento do ensino presencial, enquanto modelo de comunicação educativa que permite superar distâncias e ampliar o acesso ao conhecimento.
Os jovens foram os primeiros a descobrir que as novas tecnologias da informação e da comunicação implicam inúmeras possibilidades de aprender. Para eles há muito que elas deixaram de ter um estatuto de menoridade e de simples auxiliar da apreensão do conhecimento. Os estudantes olham-nas como outras formas de aprender que implicam a mudança dos modos de comunicação e dos modos de interação nos grupos de pares.
Importa, pois, ter consciência que este novo mundo facilita o trabalho docente, mas também acrescenta angústia e complica a vida do professor. Este, para além de necessitar possuir um conhecimento específico da área científica que lecciona, deverá também ser capaz de identificar nas tecnologias digitais as múltiplas linguagens favorecedoras da apreensão da realidade.
Não é fácil, mas é esta é a contribuição que as novas tecnologias podem oferecer para a consolidação de um mundo mais solidário, desde que a sociedade o queira integrar de uma forma crítica e eticamente incontestável.

João Ruivo

NOVAS OPORTUNIDADES, debate precisa-se


As críticas a este programa não são de hoje. Escutam-se, há muito, não, apenas, em surdina, mas, também, de forma mais explícita e fundada, em meios educativos e sociais. Na recente campanha eleitoral ultrapassou o campo educativo, para se tornar numa arma de arremesso político, com uns a considerarem que a sua eficácia é questionável, e outros a reafirmarem que só tem “virtudes” e que todos os que a frequentaram estão mais contentes e felizes. Isto é demasiado sério para se poder caricaturar ou fazer generalizações simplistas, estamos a falar de pessoas que acreditam (pelo menos, muitas delas) que o programa pode melhorar as suas vidas.
Os que tecem críticas fazem-no por entenderem que se trata de uma medida de elevados custos e sem o desejável retorno social; uma medida que cria facilitismos, baixa a exigência e o rigor, caindo num “falso sucesso”, com a inevitável descredibilização dos diplomas, das instituições formadoras e até da própria escola.
Os que a defendem consideram que existe, sempre, um ganho real para a vida pessoal dos jovens e adultos que frequentam as Novas Oportunidades, para a sua auto-estima e participação cívica, mesmo que estes não venham a melhorar a sua vida profissional ou a conseguir um trabalho futuro na sua área de certificação ou/e de formação.
Seria, assim, se estas pessoas, e suas famílias, não tivessem criado legítimas expectativas, que muitos deles, depois, vêem frustradas. Este é um ponto central, mais que a questão dos custos e dos processos menos exigentes (casos haverá) de formação e de certificação de competências. Ver jovens que, embora com um diploma na mão, não vêem quaisquer possibilidades de concretização das suas aspirações, porque a sua formação não é devidamente reconhecida, é injusto e não pode deixar de nos preocupar a todos.
Nenhuma medida de equidade é justa se, em vez de esbater as desigualdades a que se destina, criar novas e maiores desigualdades, que é o que acontece com a desvalorização social dos diplomas das Novas Oportunidades. Este é, porventura, um dos aspectos mais decisivos, mas há, ainda, outro que tem a ver com a questão da motivação.
Lembremos que a igualdade de oportunidades em educação se destina àqueles que, tendo desejo e vontade de aceder e frequentar a escola, não tem condições económicas e sociais favoráveis, devendo o Estado garantir essas condições. Nas Novas Oportunidades, o desfavorecimento económico e social pode existir, mas, talvez, o desejo de aprender e de completar a escolaridade básica e/ou secundária, esteja longe de muitos (não de todos, claro) dos que se vêem “empurrados” para este programa, por condicionalismos das suas vidas – abandono escolar precoce, desintegração social, desemprego, obrigações do rendimento mínimo de inserção….
Seria uma medida de verdadeira igualdade de oportunidades, se respondesse a uma vontade genuína dos jovens e adultos de regressarem à escola para adquirirem ou completarem habilitações e se fossem garantidos os padrões de qualidade e de credibilização social dos diplomas atribuídos. É nestes pontos que o debate e os esforços se devem concentrar, para que a Iniciativa Novas Oportunidades, fazendo jus à designação, seja, de facto, uma nova oportunidade, na vida dos que a frequentam.

Maria Rosa Afonso, professora

quarta-feira, 8 de junho de 2011

LITERACIA EMOCIONAL


Celso Antunes (1991), Alfabetização emocional, novas estratégias . Petrópolis: Vozes

“... Os anos 90 como a década do cérebro.”
16 “... Binet, com os recursos do seu tempo, percebeu a inteligência como tendo dois espectros- o verbal e o lógico-matemático. Para medi-los desenvolveu o teste de Q.I que da França expandiu-se para o mundo todo.”
16 “... Gardner chegou com uma visão pluralista da mente, concebendo diferente visão sobre as competências intelectuais humanas. Antes era um ser restrito, eventualmente
‘“tocado’ por esse ou aquele ‘dom divino’ que o fazia genial, agora se descobre um ser humano holístico, com potencial para desenvolver múltiplas inteligências...”
17 “... A Alfabetização Emocional, ainda que jamais tire do individuo o poder de seu arbítrio, pode ajudá-lo a perceber seus estados emocionais e melhor administrar eventuais explosões, se efetivamente deseja fazê-lo.”
18 “Quando sugerimos algumas estratégias para o desenvolvimento da Alfabetização Emocional, o fazemos na esperança de que as ações vivenciadas pelas diferentes técnicas ampliem o acervo de “fichas” na memória de longo prazo do aluno, e que esses sinais possam ajudá-lo a eventualmente administrar suas emoções.”
19, 20 “As inteligências localizadas por Gardner, e que levam a escola a se perguntar como explorá-las e desenvolve-las plenamente, são as seguintes: inteligência lingüística, inteligência lógico-matemática, inteligência espacial é a capacidade de formar, manobrar e operar um modelo do mundo no espaço, inteligência musical, inteligência corporal- cinestésica.”
21 “... As inteligências interpessoais (capacidade de compreender outras pessoas e os que a motiva) e a Intrapessoal (capacidade de auto-estima e de formar um modelo coerente e verídico de si mesmo, usando esse modelo para operacionalizar a felicidade)...”
22 “Ao se concluir esse quadro de inteligências múltiplas que, como já foi dito, está longe temporalmente de ser limitado a apenas nove, cabe destacar a triste posição da escola diante do notável ser humano Montado e formatado para apreciar somente as inteligências Lingüísticas e Lógico–matemática, ela está perdendo notável oportunidade para construir um homem coerente com sua extraordinária capacidade.”
23 “Uma visão da natureza humana que ignora o poder das emoções é lamentavelmente míope. O próprio nome homo sapiens, a espécie pensante, é enganoso à luz da nova apreciação e opinião do lugar das emoções em nossas vidas, que nos oferece hoje a ciência. Como todos sabemos por experiência, quando se trata de modelar nossas decisões e ações, o sentimento conta exatamente o mesmo – e muitas vezes mais- que o pensamento. Fomos longe demais à enfatização do valor e importância do puramente racional- do que mede o Q.I. - na vida humana. Para o melhor e para o pior, a inteligência não dá em nada quando as emoções dominam.”

26 “Para Goleman, a Inteligência Emocional pode ser expressa através de cinco pontos essenciais: 1- Autoconhecimento, 2- Administração das emoções, 3- Empatia, 4- Automotivação, 5- Capacidade de relacionamento pleno.”
27 “Segundo Goleman, Hoje, é a Neurociência que defende o levar a sério as emoções. As novas da ciência são encorajadoras. Dizem-nos que, se dermos mais atenção sistemática “a Inteligência Emocional- ao aumento da autoconsciência, a lidar mais eficientemente com nossos sentimentos aflitivos, manter o otimismo e a perseverança apesar das frustrações, aumentar a capacidade de empatia e envolvimento, de cooperação e ligação social- o futuro pode ser mais esperançoso.”
28 “Mas, além, das obras de Gardner e a de Daniel Goleman (...) cabe citar o excelente estudo de Antonio Damásio, O erro de Descartes (...). De extremo valor parecem-nos também os estudos do pesquisador Joseph Le Doux... em seu belo livro, O cérebro emocional... (...) Nessa mesma linha constituiria injustiça não sugerir também a obra O sitio da mente, de Henrique S.Del Nero”
29 “Não estamos, portanto, sugerindo a criação de uma Alfabetização Emocional como produto de obras que acabamos de conhecer, mas como resultado seqüencial de uma experiência pedagógica de mais de trinta anos.”
35 “O mundo já mudou. A escola não. Não se defende a utopia de que um dia a escola possa substituir o papel de um lar; mas é imperioso reconhecer que a radical mudança da estrutura familiar implica em inevitáveis mudanças nos conteúdos e nas estratégias desenvolvidas em nossa escola. O professor não pode e não pretende substituir os pais, mas precisa descobrir-se responsável por novas funções, ajustando-se a uma nova realidade.”
42 “Uma questão sempre pendente é esta: Em que idade a Alfabetização Emocional deve ser iniciada? O relevante nessa questão é descobrir a intensidade com que esses temas possam ser discutidos em classe. Havendo sensibilidade para fazê-lo vigorar quando brotar da curiosidade da criança, constata-se que nunca é cedo demais. Concordamos integralmente com Daniel Goleman quando afirma: “os anos de pré-escola são cruciais para deitar as bases das aptidões” identificando os benéficos efeitos sociais e emocionais em longo prazo sobre as crianças que, já há décadas, tiveram esse treinamento.”
44 “(...) A carga horária da Alfabetização Emocional e a do como aprender poderiam simplesmente se autocomplementar: mais uma aula semanal em vinte e cinco a trinta ministradas aos alunos não acarretaria sobrecarga aos mesmos e nem levaria mantenedores à falência.”
46 “A Alfabetização Emocional implica num mandato ampliado para as escolas, entrando num lugar de famílias com falhas na socialização das crianças. Essa temerária tarefa exige duas grandes mudanças: que os professores vão além de sua missão tradicional, e que as pessoas na comunidade se envolvam mais com as escolas”


95 “Um dos problemas mais difíceis de serem solucionados na implantação da Alfabetização Emocional diz respeito aos seus eixos temáticos. (...) Em Alfabetização Emocional essa pretensa hierarquia é bem mais difícil, uma vez que seus temas se interligam e seus conhecimentos se insurgem como uma rede de significados múltiplos e articulados, em permanente sistema de evolução e, portanto, transformação, cuja construção inicia-se muito antes da chegada do aluno á escolaridade e prossegue com ou sem a mesma.”
98 “A Alfabetização Emocional trabalha com outro paradigma de avaliação, que é justamente o conceito ótimo. Portanto, vale apenas o que o aluno progrediu em relação a si mesmo. Nesse contexto, o trabalho e conseqüentemente a avaliação são centrados na individualidade, ainda que desenvolvidos para uma coletividade. Com esse sistema de avaliação desaparecem eventuais boletins, e cada aluno se torna proprietário de um portfólio onde estão anotados seus desempenhos e onde estão selecionados seus melhores e mais expressivos trabalhos, independente de terem notas ou não.”
102 “Seja prudente com a novidade. Nunca a procure por ela mesma, mas pela melhoria que poderá proporcionar ao seu trabalho e a sua vida. Essa melhoria depende tanto de você como da própria novidade. (...) você deve adotar, com a mesma prudência, as técnicas modernas, procurando as que – fruto de trabalhadores experimentados – lhe pareçam mais aptas para enfrentar os sismos a que você terá que subir: não se admire se, a principio, não forem absolutamente utilizáveis.”