segunda-feira, 19 de setembro de 2011

DIPLOMOCRACIA


Desde há longo tempo que o diploma é (ou é suposto ser) o sinal do saber, que abre as portas do emprego e do prestígio social. O que interessa, na tradição social portuguesa, não é o que se sabe mas o que se aparenta saber. O que interessa não é o saber fazer, não é a adequação desse saber fazer às necessidades empresariais. O que interessa é o diploma.

É por isso que muitos advogados são gestores de empresas sem terem para isso a mínima formação académica (embora possam ter competências experenciais). Ou muitos engenheiros. Ou mesmo muitos professores. O ter (e o parecer) ainda prevalece largamente na ordem social.

Vejamos alguns tópicos para uma análise em torno dos diplomas:

i) os mais diplomados encontram sempre mais empregos que os menos diplomados, mas devem, em todos os níveis, contentar-se com empregos inferiores à qualificação que possuem;
ii) à escala macro-social, o desemprego dos jovens não depende da política de certificação escolar, mas de uma política económica que regula o tempo de trabalho, os salários, as reformas, etc. À medida que cresce o número de diplomados, a rendibilidade relativa dos diplomas diminui, enquanto aumentam as despesas das famílias e do Estado para financiar o prolongamento dos estudos;
iii) a deslegitimação da “nobreza” e da fortuna (como meios de ascensão social) foi acompanhada de uma deslegitimação da experiência. A confiança atribuída ao diploma enraíza-se numa desconfiança em relação à prática. A ideia que se aprende fazendo, que a prática é fonte de saber, não é verdadeiramente admitida: ao contrário, a nossa tradição intelectualista faz-nos crer que apenas os saberes que repousam numa base teórica têm valor.
iv) Fundamento quase exclusivo da superioridade legítima, numa sociedade igualitária onde as situações adquiridas, a fortuna e a idade perderam o seu crédito,o diploma fascina os nossos contemporâneos e focaliza os estudos. Mas o prosseguimento de estudos tem um gosto amargo: o desemprego dos diplomados escandaliza. Sonhamos com uma sociedade onde a obtenção do diploma concederia automaticamente uma determinada posição social. O problema do diploma não é um problema educativo, mas um problema (da hierarquia e da estratificação) social.
v) Hoje como ontem, a origem social cria uma desigualdade de oportunidades nos destinos escolares. Mas são mais as desigualdades culturais dos pais do que as diferenças de recursos que são discriminantes.
vi) O alongamento contínuo da duração da escolarização e o crescimento correlativo do número dos detentores de títulos escolares cada vez mais elevados, por um lado, o agravamento das tensões no mercado de trabalho e o crescimento regular das taxas de desemprego em todas as categorias de diplomados, por outro lado, provocaram a generalização do risco da desqualificação (e do defraudamento de expectativas).
vii) Numa situação em que o número de indivíduos à procura de emprego excede largamente a oferta de emprego pelas empresas, estas beneficiam de um ganho inesperado : elas podem recrutar indivíduos sobrequalificados em relação às exigências do emprego pelo mesmo preço que um indivíduo cuja qualificação corresponde ao posto de trabalho e gerir assim uma reserva de competências.

(A partir do Le Monde de l’Éducation
(n.o 271, Junho 99), dedicado à “corrida aos diplomas”, organizado por
Christian Baudelot e Roger Establet.

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