terça-feira, 27 de julho de 2010

TTC - TEMPO DE TRABALHO EM CASA


Não se trata aqui de jogar com as palavras mas de tentar dissociar dois debates que estão, muitas vezes, misturados. Primeiro debate: o tempo de trabalho do estudante limita-se às suas horas de presença nas aulas ou poder-se-á pedir-lhe, todas as semanas, que dedique algumas horas a mais ao trabalho escolar, no sentido lato do termo? Segundo debate: em caso afirmativo, para que serve esse trabalho, como é que ele é definido, distribuído, controlado? Deverá ser o mesmo para todos os alunos? E deverá ser constante, ao longo de todo o ano?

Para afirmar um princípio de doutrina neste domínio, a equipa pedagógica poderá:
- pronunciar-se a favor de um tempo de trabalho em casa (TTC) razoável, que oscilaria entre uma e duas horas por semana no início da escolaridade obrigatória, e três a quatro horas por semana no sexto ano, admitindo-se que este tempo é uma média que pode flutuar de uma semana para outra, em função das necessidades, das actividades empreendidas, etc.; e também que alguns alunos podem, mais que outros, escolher ou ter necessidade de trabalharem em casa;
- admitir que a prática do TTC deve ser definida explicitamente, se não se quiser, por força dos estereótipos, recair na concepção tradicional dos trabalhos de casa. Daí a escolha de uma designação e de uma sigla que valem o que valem, mas que têm, pelo menos, o mérito de não veicularem, de imediato, todas as imagens tradicionais associadas aos "trabalhos de casa", tais como todos os pais ou quase todos os conheceram.

O QUE SEMPRE SE QUIS SABER SOBRE O TTC
A força da expressão "trabalhos de casa" é a de suscitar imagens muito precisas e pessoais, em relação às quais o TTC pode parecer muito abstracto. Tentemos, pois, carac¬terizá-lo mais concretamente.

1. Um recurso para o aluno, para a turma, para o professor
O TTC deve ser utilizado em função das necessidades e dos projectos, não de uma forma regulamentada ou ritual, e inscreve-se numa lógica da acção racional e do trabalho que exige uma preparação prévia, fora do grupo.

2. Um tempo de trabalho, não necessariamente de aprendizagem
O TTC pode ser entendido em sentido estrito (drill, memorização, revisão, preparação dos trabalhos escritos) ou em sentido mais lato (fazer consultas no dicionário, resolver enigmas, inventar mensagens, redigir textos, procurar informações, preparar questões, tentar compreender um documento, etc.). E pode também ser uma preparação ou um prolongamento de actividades mais globais realizadas na aula: negociação, trabalho de organização, passar notas a limpo, pesquisa de documentação, de imagens, de filmes, entrevistas ou inquéritos, colecções de objectos, etc.

3. Um garante de flexibilidade
O TTC tem, em primeiro lugar, por função permitir um funcionamento mais flexível e mais descentralizado de certas actividades. É uma facilidade que um grupo atribui a si próprio para favorecer o trabalho comum na sala de aula. Algumas actividades realizar-se¬-ão com mais naturalidade e mais tranquilamente em casa ou, em qualquer caso, fora das horas de aula, melhor individualmente ou a dois do que num grupo grande.

4. Nunca ser um substituto do trabalho na aula
Mesmo quando está claramente definido como um tempo de aprendizagem, o TTC apenas pode ser uma consolidação ou uma preparação do trabalho que se faz na aula. Logo, não dispensa nunca o trabalhar esta ou aquela noção ou este ou aquele saber-fazer na aula.

5. Contra toda a equidade formal
Não tem interesse que cada aluno receba todos os dias ou todas as semanas a mesma dose de trabalho para casa. Podem-se aceitar também muitas variações razoáveis, quer quanto ao conteúdo, quer quanto ao total de tempo do trabalho em casa. Alguns alunos terão necessidade de mais tempo do que outros para reverem, memorizarem, exercitarem noções ou um determinado saber-fazer. Outros poderão consagrar mais tempo a activi¬dades de organização ou de preparação do que se faz na aula. A ausência de arbitrariedade é mais convincente que uma equidade formal.
O TTC pode também ser diferenciado de acordo com as dificuldades dos alunos, mas não se pode fundamentar, nestas poucas horas, a luta contra as desigualdades, que deve passar por um apoio integrado na aula e pela diferenciação do ensino.

6. Um tempo flutuante
Ao longo do ano, de uma semana para outra, o tempo de trabalho em casa pode flutuar entre tempos fracos e tempos fortes, que correspondem, por exemplo, às fases cruciais de uma investigação, à preparação de um espectáculo, ou a momentos intensos de aprendi¬zagem ou de revisão.

7. O TTC não é feito para os pais
O tempo de trabalho em casa não tem por função principal dar aos pais uma ideia do que se faz na aula. Para isso, têm à sua disposição as entrevistas, as aulas abertas, as exposições, as reuniões de pais, o processo de avaliação, etc. O tempo de trabalho em casa não tem nenhuma razão para ser representativo do conjunto de actividades que é feito na aula, nem de corresponder às necessidades de informação dos pais. Não é feito para eles.

8. Os pais não são os responsáveis
Dentro do mesmo espírito, os pais não são responsáveis pelo trabalho que os filhos têm de fazer em casa. Se um aluno não faz o que anunciou ou o que lhe foi pedido, é um assunto que diz respeito ao professor ou à turma. A ausência de seriedade ou de solidarie¬dade no TTC pode ser objecto de uma avaliação ou de um encontro com os pais, mas não se lhes pede para, todos os dias, controlarem se o filho "fez o seu TTC", da mesma forma como actualmente se asseguram que ele "fez os seus deveres". Isso deve ficar muito claro para os pais, e não ser desmentido por expectativas ou censuras implícitas.

9. O TTC não é avaliado
Enquanto tal, o TTC não é objecto de qualquer avaliação formal. Se faz parte de um trabalho mais global (preparação de uma conferência, de um espectáculo, redacção de um texto, etc.), é o conjunto que é objecto de uma avaliação.

10. Não há nenhuma razão para normalizar o TTC entre turmas
Não há nenhuma razão para o TTC ser uniformemente definido para todas as turmas.
Cada professor deve explicar em primeiro lugar aos alunos, mas também aos pais, qual o uso que pretende fazer do TTC, e pode levar em conta os conselhos de uns e de outros, mas nem os alunos nem os pais podem reclamar uma norma que seria imposta a todas as turmas. Pelo contrário, parte-se do princípio que o tempo de trabalho em casa é uma componente de um sistema global de trabalho e que não pode ser julgado isoladamente.

11. Um reexame periódico
Um sistema tão flexível como este pode provocar efeitos perversos, desigualdades imprevisíveis, derivações desagradáveis. É então importante manter a sua coerência, fazer regularmente o ponto da situação no seio da equipa pedagógica e entre pais e professores, mas sem procurar normalizar o TTC ou regressar aos trabalhos de casa tradicionais.

Philippe Perrenoud (1995). Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar. Porto: Porto editora

segunda-feira, 5 de julho de 2010

DIFICULDADES E LIBERDADE


Numa reunião para preparar uma formação sobre direitos humanos, falou-se de várias questões, entre elas das “coisas” que as crianças e os jovens podem não gostar.
Dizia a Irmã Maria da Glória Cordeiro, Directora do Colégio Rainha Santa Isabel em Coimbra, que quando um aluno diz não gostar de sopa, ela lhe pergunta se a sopa faz bem ou não, ao que a criança ou o jovem respondem que sim. A Irmã responde, então, que se lhe faz bem, a sua liberdade, deve levá-lo(a) a decidir comer a sopa. Este pensamento estende-se também, por exemplo, ao não gostar de Matemática – se não gosta e se tem dificuldade, então a Matemática está a precisar de mais atenção e ai está mais um desafio. Aluno, pais ou encarregados de educação, professores e directora, empenham-se então neste desafio, que é muitas vezes ganho!
E assim uma dificuldade se converte em oportunidade! Com o contributo de todos!
Fiquei então a pensar como muitas vezes se confunde o gosto pessoal ou o “apetite” do momento com a identidade da criança ou do jovem e o mal que essa “confusão” pode fazer, o obstáculo que pode representar ao seu desenvolvimento sadio. Por outro lado, sensibilizou-me o conceito de Liberdade, tantas vezes subvertido – ser livre não é uma opção para fazermos o que nos apetece em cada momento, muito pelo contrário! Ser livre significa libertarmo-nos da escravidão do que apetece para termos a coragem de fazermos o que tem que ser feito, essa é que é a verdadeira liberdade!
Como pequenas coisas podem ser tão significativas e um compromisso, ou não, com a prática dos direitos humanos!