domingo, 24 de julho de 2011

Pedagogia do Projecto Fénix



1. Acreditar (sem a crença na educabilidade do ser humano; sem a crença de que todos podem aprender; sem a crença de que podemos fazer melhor não há mudanças positivas…). E é importante referir, que nos encontros com muitas centenas de professores, esta disposição esteve quase sempre presente. Mesmo quando as dificuldades eram evidentes, foi possível sustentar que sem esta força interior o melhor não seria possível.

2. Construir (o futuro não está todo escrito; somos chamados a construí-lo e a escrever algumas frases da história a vir…; cada aluno e cada professor são mundos singulares que importa descobrir e potenciar). Esta foi uma das constantes observadas na grande maioria dos contextos. A afirmação de que os professores podem ser autores, podem ser criadores de soluções à medida, podem fazer a diferença no enfrentar de problemas difíceis. No relato que transcrevemos infra (cf. Caixa ) é bem evidente esta capacidade de imaginar novos caminhos para a acção didáctica.

3. Exigir resultados e exigir meios (somos obrigados a apresentar resultados que contratualizamos; mas é também obrigatório a disponibilização de meios…; porque podemos ter de fazer omeletes com meios ovos, mas tem sempre de haver ovos). Esta exigência de meios é tanto mais legítima quanto mais evidência de resultados (também procedimentais) conseguirmos evidenciar. E é nesta tensão de auto-exigência e hetero-exigência que a nossa educação tem condições de evoluir.

4. Definir objectivos SMART (isto é, específicos, mensuráveis, atingíveis, realistas, temporizáveis, na esfera organizacional e pedagógica; porque estes objectivos podem guiar, estruturar, animar, sustentar a acção; porque a deriva, a falta de ambição gera a perda de oportunidades de aprender). Sobretudo no campo didáctico (mas também organizacional) esta prática é particularmente recomendável. Porque ensinar requer estruturação, clareza, (auto)orientação, rigor.

5. Reconhecer e valorizar as pequenas acções, gestos, vitórias (porque muitas vezes os entraves situam-se ao nível do auto-conceito, da auto-estima…; e se não houver este trabalho seminal nada de relevante e prometaico acontece). Esta prática foi particularmente recorrente, face à necessidade de cativar alunos que tinham aprendido o desânimo e de lhes demonstrar de que eram capazes de aprender e de evoluir.

6. Reconhecer a importância do obstáculo e dos desafios para a gestão das aprendizagens e colocando-os nas zonas de desenvolvimento proximal dos alunos (porque aprender é ultrapassar obstáculos e vencer desafios…; ninguém se entrega a um trabalho que não seja estimulante e desafiante; daí ser central criar oportunidades de aprender que estimulem a acção, a reflexão, a curiosidade, a descoberta…).

7. Olhar e praticar a avaliação como uma entrada na renovação do modelo didáctico (porque a avaliação tem um largo poder na regulação do trabalho e na implicação dos alunos…). Em numerosos contactos com professores podemos recolher evidências empíricas deste facto. Foi através da alteração das regras do jogo avaliativo que foi possível outra postura e outra implicação dos alunos. Que foi possível que os alunos percebessem que tinham algum controlo sobre a produção das classificações e que, por via disso, adoptassem uma postura de muito mais trabalho que naturalmente tinha efeitos nos resultados escolares .

8. Pensar e gerir o tempo de forma flexível e exigente. No caso específico dos ninhos, a permanência não pode ser um destino, mas uma passagem, uma oportunidade para ganhar o alento (e a arte) do voo. Esta questão foi particularmente sensível em diversas circunstâncias. Os alunos não queriam sair, sentiam-se bem; os professores receavam que a mudança significasse regressão nas aprendizagens. Não havendo uma regra universal, deve afirmar-se que estar no ninho é um tempo para recuperar e acelerar aprendizagens que não se realizaram noutras oportunidades. Por isso, o trabalho nos ninhos não pode ser o mesmo que na turma base; não pode centrar-se na exposição do professor para um grupo de 5 ou 7 alunos. Terá de ser um trabalho individual intenso e exigente.

9. Construir o triângulo dos actores centrais: alunos, professores, pais (numa lógica de partilha de responsabilidades e de estabelecimento de novos compromissos concretos para a acção). O projecto Fénix teve sempre se equacionar a construção deste triângulo. Porque o professor não pode aprender em vez do aluno; porque o aluno (sobretudo o aluno fragilizado) dificilmente aprende sozinho; porque o contexto familiar, no mínimo, não pode destruir o que a escola tenta construir; porque o professor desta compreensão e deste suporte.

10. Ligar o saber ao sabor (porque o saber desconectado das pessoas e da vida tende a ser desprezado, desvalorizado e inútil). Como sustenta Eduardo Prado Coelho:

“Sabemos que, em latim, havia duas formas concorrentes: o sapere e o scrire. De scire veio toda a nossa ciência. Mas scire corresponde à ideia de um conhecimento que apreende o objecto na medida em que o separa, o recorta, o divide, em relação às restantes coisas. É um gesto de discernir ou de distinguir. O sapere aproxima-se das coisas a partir do que elas têm de único: o sabor, o gosto. Sucede que sapere se foi sobrepondo a scire e deu o saber de que hoje dispomos, mas um saber que recolheu as características mais puritanas da tradição científica: e fica um saber que não sabe a nada”.

Esta necessidade de religar os conhecimentos é de uma grande relevância pedagógica e que vai sendo ensaiada e praticada.

11. Instituir uma cultura de exigência e responsabilidade (como condição sine qua non de saída da mediocridade…).

12. Substituir o aborrecimento de viver pela alegria de pensar (Bachelard), porque é a acção reflectida que nos faz sair das rotinas paralisantes, dos argumentos dos bodes expiatórios, que nos faz aprender, que nos faz descobrir novos horizontes, nos faz encontrar as chaves da aprendizagem, sobretudo daqueles que o não querem.


13. Reencontrar a alegria de ensinar neste tempo disfórico é outro propósito do ser hoje professor. Porque nós não podemos enterrar os nossos sonhos, não podemos estar sempre a beber o cálice da amargura. Precisamos da alegria que se encontra no rosto dos nossos alunos quando descobrem enfim o sentido e a gratificação de aprender e no rosto dos nossos colegas quando nos redescobrimos irmãos do mesmo ofício.

Estes foram alguns verbos que foram sendo conjugados num programa de acção que em larga medida já existe nos territórios Fénix. Mas que é sempre preciso reconhecer, estimular e valorizar. Porque os resultados educativos exigem visão, tempo, determinação, consistência, recursos e cooperação. Aqui os deixo acesos, como testemunho e felicitação.

Alves, JM (2011). in Projecto Fénix - Relatos que contam o sucesso. Porto: UCP

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