terça-feira, 20 de março de 2012
EM TORNO DO ENSINO PROFISSIONAL
Preocupa-me muito a destruição de valor criado que se está a promover nas escolas secundárias e até nas profissionais (nestas, fruto de um desinvestimento e da falta de controlo da qualidade educacional do que se faz). Andamos tantos anos a investir no modelo betão-alcatrão-vaidade em vez de termos dado prioridade ao investimento pessoas-sustentabilidade-humildade! Agora, é o que se vê! Crise, estamos numa grave crise, vivemos muito acima do que algum dia se poderia vir a viver. Em vez de aproveitarmos todas as potencialidades do sucesso do ensino profissional (nas escolas profissionais, portanto num clima muito especial), ao alargamos este tipo de ensino a quase todas as escolas secundárias, estamos a destruir o seu valor, porque confundimos prioridade ao ensino profissional com velociade de abertura de cursos, sem qualquer controlo sobre a qualidade, o contexto, os recursos, a capacidade, o interesse, o desejo. O que prevalece, no meio de tanta dinâmica positiva? Uma ideia: criou-se, finalmente, no ensino secundário “liceal” um modo de acomodar essa coisa estranha e inquietante que resulta da universalização do acesso ao nível secundário de ensino e formação e que consiste numa heterogeneidade que conspurca o ensino secundário deste nível de ensino: estão lá todos os meninos, até os que não querem estudar num “liceu”. E aí está a solução: o ensino profissional, o quarto escuro da escola, o caixote do lixo da escola, o curso para os meninos do insucesso. Os percursos-não já podem ter uma solução. Mas, esse é o problema actual: temos de dizer não aos percursos-não: não és capaz de entender estas disciplinas, não aprendes bem, não és talhado para a universidade, não tens bases (esse epíteto que diz tudo e nada!). E tudo isto é tão simples, tudo estava na cara! só não viu quem não quis e quem não teve oportunidade de abrir os olhos, olhar e ver. A heterogeneidade é positiva e a ela só podemos responder com direnciação positiva! Não podemos correr o risco de deixar que implicita e subrepticiamente cresça na sociedade portuguesa a perspectiva de que a democratização do acesso ao nível secundário de ensino e formação é um mal menor. O ensino profissional faz parte (não exclusiva) desta diferenciação positiva e é neste quadro de análise que é preciso investir nele e em todas as formas de ajudar a proporcionar a cada aluno que termina o 9º ano um percurso educativo de qualidade. Com sucesso, com mil formas de sucesso, aquelas que forem construídas localmente, passo a passo, para cada adolescente.
A expansão acelerada e sem cuidar da criação de contextos acolhedores destes alunos que agora procuram o nível secundário não para irem necessariamente para o ensino superior, mas para prosseguirem e aprofundarem valências e competências mais ligadas ao projecto, ao trabalho, à prática, ao exercício imediato de uma actividade social e profissional, a uma certa autonomia face à família, não podia terminar bem. É crucial o cuidado com este jardim, estes percursos têm de ser canteiros muito cuidadosamente trabalhados por toda e qualquer escola que se responsabiliza por os ter.Tem de se rever a rede, deixar de pé apenas quem valoriza estas dinâmicas e dar condições às escolas para aproveitarem bem esta oportunidade. Precisamos mesmo de dar uma nova oportunidade ao ensino profissional nas escolas secundárias, que o conquiste e recupere para a sua matriz de sucesso. Agora a matriz que aparece como ganhadora é a do insucesso. Nunca como esta semana me senti tão mal diante dos jornalistas: todos me perguntaram se este ensino não era de segunda e para os meninos do insucesso. Nunca, nos últimos vinte anos isto tinha acontecido! Por isso, cuidado, todo o cuidado é pouco!Mas tem também de se rever o modelo de organização e administração do sistema de ensino. O que está sujacente a estas dificuldades é a incapacidade de conceder às escolas autonomia pedagógica para se organizarem os percursos de qualidade para todos, mesmo sem se criarem estes casulos (ensino geral, ensino profissional, ensino artístico, aprendizagem em alternância, ...). E esta autonomia só faz sentido se estiver inscrita numa autonomia administrativa e financeira, devidamente contratualizada, ou seja, com um programa, objectivos e actividades muito claras, pois a autonomia pedagógica, per se, não é autonomia nenhuma, quando muito pode ser uma autonomia desresponsabilizante, que levará certamente a desmandos, o que será óptimo para os inimigos da descentralização, que logo virão reclamar, face a estes desmandos, nova recentralização. Tem de haver programas, mas tem de haver orçamentos e responsabilidade muito concreta de execução de uma e outra coisa, pois na verdade são uma só.
Andamos às voltas e vamos dar sempre ao mesmo ponto: liberdade-autonomia e responsabilidade-compromisso. Este enguiço tem de ser quebrado. (...)
De facto, a natureza jurídica das instituições é a última, não a primeira questão. A questão central é a do serviço público de educação e da rede de instituições de educação que o serve, não a da natureza jurídica das escolas. Pois, de outro modo, estamos a alinhar numa óptica enviesada da realidade: estamos a dizer impicitamente que as escolas profissionais, porque maioritariamente privadas, têm estado ao serviço de interesses privados e que agora, finalmente, temos de abrir cursos profissionais nas escolas secundárias, porque só assim se irão prosseguir os fins públicos do ensino profissional. É preciso estarmos muito atentos a estas ratoeiras que sucessivamente nos são colocadas nas mãos, autênticas vendas para os nossos olhos!
Feita (com muitas debilidades) a transposição do modelo de ensino profissional, é preciso contaminar o resto do sistema de ensino português com o tipo de escolas que o favoreceu: escolas com autonomia pedagógica, administrativa e financeira, escolas com uma clara responsabilidade em relação a objectivos e a metas e actividades, escolas com uma contratualização clara de tudo isto, escolas muito enxertadas nas comunidades locais e nas suas dinâmcias sociocomunitárias, mediante contratos-programa. A importação do conteúdo sem a importação do continente é sempre viável, mas será sempre defeituosa, pois implica a assunção da perspectiva de que o ensino profissional é um modelo teórico, a-histórico, fora do espaço e do tempo, como um ship que se tira de um lado para o outro, uma espécie de “pen” com uns conteúdos, que tanto entra num PC como noutro, ou tanto num PC como num MAC.Foi uma bela jornada, sim, mas nada de muito novo, do ponto de vista teórico. Mas foi muito importante para nos focarmos ainda mais no mais importante.
Joaquim Azevedo, UCP
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