domingo, 31 de maio de 2009

HISTERIA


Formada a partir do substantivo grego hystera ‘útero’, designa uma doença que, a princípio, se julgava acometer apenas as pessoas que possuem aquele órgão, ou seja, as mulheres. Segundo Houaiss, esta palavra foi atestada pela primeira vez em 1840, no Compêndio de Patologia da Escola Médico-Cirúrgica do Porto.
Acreditava-se, pois, desde a Antiguidade, que esta neurose tinha origem em problemas do útero resultantes da falta de actividade do órgão – sobretudo entre virgens de idade avançada e entre viúvas muito jovens. Esta ideia, errada, continua a fazer parte da crença popular que, maldosamente, associa a histeria à insatisfação sexual. Mas, na verdade, trata-se de uma doença mental que também pode afectar os homens e que não tem como causa principal problemas de cariz sexual. Consiste numa alteração que não permite ao paciente dominar actos nem emoções. Os sintomas que, normalmente, lhe estão associados são a ansiedade, a perda de memória, convulsões e simulação de doenças. O termo passou a ser usado, correntemente, para indicar procedimentos exagerados, que podem resultar não só de um estado de excitação desmesurada, como também de temperamento volúvel e desequilibrado, sobretudo quando se encontra sob a influência de um susto, de uma contrariedade ou de uma emoção mais forte. Em termos históricos, a frequência dos ataques espalhafatosos de histeria foi variando: comum na Idade Média e ainda mais durante o Romantismo e os finais do século XIX, hoje em dia, é menos corrente e verifica-se, sobretudo, nos meios incultos. Talvez devido à ideia antiga da relação da doença com o útero, fala-se, ainda hoje, mais em mulheres histéricas do que em homens – mas, durante as duas Grandes Guerras, foram muitos os soldados que tiveram reacções de índole histérica, nomeadamente através da manifestação da vontade de contrair uma doença como forma de evitar situações de perigo.
E, facilmente, nos vem à memória Fernando Pessoa, que afirmou, numa carta a Casais Monteiro sobre a génese dos seus heterónimos, ser senhor de um carácter histérico. Cita-se, em seguida, o passo, onde Pessoa discorre sobre o tema, porque nele se comprova muito do que afirmámos atrás: “Começo pela parte psiquiátrica. A origem dos meus heterónimos é o fundo traço de histeria que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um histeroneurasténico. Tendo para esta segunda hipótese, porque há em mim fenómenos de abulia que a histeria, propriamente dita, não enquadra no registo dos seus sintomas. Seja como for, a origem mental dos meus heterónimos está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. Estes fenómenos – felizmente para mim e para outros – mentalizaram-se em mim; quero dizer, não se manifestam na minha vida prática, exterior e de contacto com outros; fazem explosão para dentro e vivo-os eu a sós comigo. Se eu fosse mulher – na mulher os fenómenos histéricos rompem em ataques e coisas parecidas – cada poema de Álvaro de Campos (o mais histericamente histérico de mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem – e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais: assim tudo acaba em silêncio e poesia.”

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