quarta-feira, 18 de maio de 2011
Razões do bloqueio da educação
Estamos bloqueados. Não vislumbro claramente quando vai ser possível rompermos este bloqueio. A minha análise e as minhas propostas não coincidem com nenhuma proposta política que está hoje sobre a mesa, em termos de programa eleitoral de qualquer partido com assento parlamentar, o que as torna pouco aptas como solução política imediata. Isso em nada me dificulta ou impede esta tarefa de compartilhar a minha análise e as minhas propostas com os meus concidadãos. Nas partes finais deste ensaio, alinho alguns elementos acerca do que me parece constituir um caminho possível, necessariamente complexo, neste mundo em que vivemos, dada a complexidade dos problemas socioculturais em que nos atolamos. Para já, finalizo apenas esta primeira parte com uma síntese acerca do quadro explicativo para a situação em que estamos.
Estamos bloqueados:
- porque entendemos que a educação é uma questão técnica (de gabinete e de iluminação dos governos) e não política (do espaço público), enredando-nos em teias de fios sem fim e de todas as cores, inextrincáveis e inexplicáveis. Teremos entretenimento para muitas mais equipas que passem pela 5 de Outubro (se o principal problema fossem os ministros, o problema já se teria resolvido, tanto eles e elas têm rodado), mas não teremos melhorias significativas nas políticas de educação, ou seja, na qua¬lidade dos resultados escolares de todos os portugueses;
- porque não apoiamos as famílias na sua tarefa de educar os filhos e não responsabilizamos crescentemente todas as instituições sociais na sua quota parte de educação dos cidadãos, preferindo remeter para a escola todas as tarefas educativas da sociedade, fazendo dela um balão tão inchado que descola quer da realidade quer da sua principal missão (criando o efeito escola descolada);
- porque não aprendemos a focar a nossa acção no ensino e nas aprendizagens, ou seja, na pedagogia: lidar com as diferenças sociais, pessoais, de aprendizagem, que são o pão nosso de uma escola aberta a todos e que a todos quer oferecer percursos de qualidade. Focar significa lidar com estas diferenças com coragem, enfrentando-as e resolvendo-as com rigor, com trabalho árduo de equipas interprofissionais, com lideranças capazes e com persistência;
- porque os professores, que deviam estar focadas no ensino e nas aprendizagens de todos os alunos, em torno das equipas docentes que leccionam cada turma, são permanentemente desviados para processos e tarefas que são construídos e tornados obrigatórios por parte de quem não conhece o processo de ensino e aprendizagem, o seu propósito, os seus intervenientes e os seus imprescindíveis passos;
- porque a administração educacional (e não só) labora sob o signo da desconfiança nas escolas e nos professores; enquanto não trabalharmos sob o paradigma da confiança, todas as pequenas construções, por mais interessantes que sejam, venham elas do poder político e da administração educacional, venham elas das escolas ou da cooperação de instituições locais, de pouco ou nada servem pois são desvirtuadas, desvalorizadas e devoradas pela máquina administrativa, na primeira oportunidade;
- porque a sociedade portuguesa, pessoas e instituições, se compromete ainda pouco com as suas escolas e na sua educação, relegados que são para um terreno secundaríssimo, pois as escolas são "contentores" que o Estado coloca, chave-na-mão, em cima dos territórios locais. Os mais variados actores sociais ainda estão longe de se sentirem convocados para um envolvimento, devidamente esclarecido, na melhoria da educação de todos os portugueses nas suas comunidades de pertença;
- porque existe um clima de irresponsabilidade incutido pela acção omnipresente, omnisciente, hiperregulamentadora e uniformizante do Estado português na educação, ela mesma geradora de um "faz-de-conta" que tudo impregna e de uma descrença de que somos capazes, professores e alunos, com o apoio de toda a comunidade, de melhorar a educação sem ser pela acção salvífica do mesmo Estado cada vez mais omnipresente, unifor¬mizante, centralizador, cada vez mais perfeito e eficaz, ... ;
- porque para muitos dos defensores de melhor educação para Portugal só existem, infelizmente, dois campos dicotómicos a pensar: o Estado ou o mercado. Ainda por cima colam os dois principais partidos políticos a cada um deles (quando, verdadeiramente, os deviam colar a ambos ao Estado). O grande erro está, por um lado, na dicotomia que se estabelece e, por outro, no facto de se deixar de lado a sociedade, o poder das pessoas e das instituições sociais, a sua capacidade para fazer bem e para fazer melhor aquilo que é importante para as suas vidas e para a vida das suas comunidades. O futuro tem de contar com um tripé de sustentabilidade: Estado, mercado e sociedade (sector social e solidário);
- porque o populismo e o cinismo, a demagogia e o desespero, têm uma voz muito activa, detêm poder e, além disso, são impacientes e criam um efeito de ilusionismo que a todos confunde. E os media dão e darão mais voz ao escândalo do que à lenta construção de um caminho de esperança.
Não precisamos de consensos "falsificados" entre os partidos políticos, porque podem dizer tudo e nada significarem, não precisamos de "pactos educativos" que nos chegam às escolas pelo correio (como já aconteceu), que falam de tudo e não têm ninguém lá dentro.
Sustento que se inscreva a educação no espaço público e se enverede pelo caminho político da melhoria da educação, sustentadamente, ou seja, uma melhoria baseada em compromissos sociais e contratos de confiança, em programas de desenvolvimento e melhoria do desempenho das escolas, com responsabilidades claras, assumidas e avaliadas quer pelo Estado quer pela comunidade.
Joaquim Azevedo (2011). Liberdade e Política Pública de Educação - Ensaio sobre um novo compromisso social pela educação. Vila Nova de Gaia: Fundação Manuel Leão
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