quarta-feira, 18 de maio de 2011
Papel da Motivação na Aprendizagem
Se o desenvolvimento psicológico resulta em grande parte da actividade motivada — particularmente da actividade orientada para a satisfação das necessidades de competência e de autonomia —, a analise das condições socio-contextuais que facilitam ou dificultam a satisfação destas duas necessidades contribuirá para a compreensão dos processos de desenvolvimento. Os factores que afectam a autonomia percebida, a competência percebida, ou ambas, afectam a motivação intrínseca c a internalização e, consequentemente, a qualidade geral do desenvolvimento.
De forma geral, as ambientes estruturados e que apoiam a autonomia facilitam as experiências de competência e de autonomia, e os ambientes inconsistentes, controladores e amotivacionais dificultam-nas.
A estrutura refere-se a quantidade de informação existente no contexto acerca dos modos eficazes de atingir resultados desejados e ao grau de consistência, de previsibilidade e de orientação no ambiente. 0 seu oposto é o caos. A estrutura do ambiente relaciona-se sobretudo com o sentimento de competência. A percepção de competência refere-se à percepção do sujeito acerca do seu acesso aos meios necessários para atingir fins desejados (percepção eu-meios).
De forma geral, os ambientes estruturados favorecem percepções de competência elevada. Mais especificamente, as experiencias de competência são promovidas em ambientes (a) que veiculam expectativas adequadas, não ultrapassando por defeito nem por excesso o nível de desenvolvimento do sujeito; (b) que disponibilizam apoio instrumental para a realização; (c) que adaptam as estratégias de ensino ao nível de competência do sujeito; (d) que oferecem desafios óptimos; (e) que proporcionam oportunidades de sucesso.
Outros aspectos da estrutura do ambiente, em particular a consistência e previsibilidade, têm sido vistos como determinantes da qualidade do desenvolvimento. Esta relação pode tamb6m ser compreendida em parte como mediada por processos motivacionais relacionados com a experiencia de competência. Investigações conduzidas em contextos quer educativos quer familiares (Grolnick e Ryan, 1989) quer escolares (Harter, 1986) explicam a influência da consistência e previsibilidade sobre o desenvolvimento através do efeito que estas características do ambiente tem sobre uma variável motivacional fundamental: o grau de compreensão acerca daquilo que controla os acontecimentos e resultados. 0 conhecimento acerca dos modos eficazes de obter resultados desejados (percepção meios-fins) é fundamental para as experiências de competência e eficácia. 0 desconhecimento ou incompreensão quanto às fontes de controlo produz uma diminuição do nível de realização, um comportamento passivo e uma diminuição geral da actividade motivada (Connell, 1980). Saliente-se que, no 'modelo desenvolvido por Harter para explicar as relações entre a motivação e a aprendizagem escolar, o controlo “desconhecido” se situa precisamente no início da cadeia causal: o grau de controlo desconhecido afecta directamente o nível de realização; este, por sua vez, afecta a competência percebida, a qual influencia a orientação intrínseca versus extrínseca. Assim, a quantidade de conhecimento acerca do que controla os acontecimentos é crucial na determinação da orientação motivacional intrínseca.
Em resumo, os ambientes consistentes e previsíveis, nos quais há uma comunicacão clara de expectativas, de regras e de informação acerca do que produz os acontecimentos e resultados, permitem ao sujeito confiar e interessar-se pelo ambiente. 0 apoio e a autonomia referem-se à quantidade de liberdade dada ao sujeito para determinar por si próprio o seu comportamento. O oposto de ser apoiado neste sentido é ser coagido. Apoiar a autonomia significa apoiar activamente a capacidade de iniciativa e de autodeterminação do sujeito e não deve ser confundida com a permissividade, a negligência ou a ausência de acordo por parte do ambiente. Diversos estudos exploraram os efeitos de vários contextos sociais sobre a autonomia, a motivação intrínseca, a internalização e o desenvolvimento.
Os estudos sobre os efeitos das recompensas na motivação mostram sistematicamente que a atribuição de recompensas materiais ou interpessoais controladoras tem um efeito debilitante nos comportamentos espontâneos de procura de desafios (Deci, 1971, 1972; Lepper, Greene, e Nisbett, 1973), na autonomia e na motivação intrínseca (Harackiewicz, 1979; Ross, 1975).
A utilização de estratégias controladoras inibe o investimento activo e autónomo e fomenta uma orientação mais passiva e mais rígida (McGraw e McCullers, 1979). Os ambientes impositivos, vigilantes e geridos por contingências tendem a reduzir comportamentos que são essenciais para o desenvolvimento de diversas competências específicas, tais como a exploração, a procura de desafios e a curiosidade. Assim, as estratégias de estimulação do desenvolvimento baseadas no controlo podem bloquear alguns dos principais tipos de actividade intrinsecamente motivada que suportam o desenvolvimento.
Também as estratégias motivacionais coercivas tais como a ameaça de castigo (Deci e Cascio, 1972), a vigilancia (Lepper e Greene, 1975; Plant e Ryan, 1985), as avaliações (Smith, 1974) e o uso de linguagem controladora (Ryan, 1982) minam a motivação intrínseca porque o significado funcional destas tácticas é controlador, afectando assim o sentimento de autonomia do sujeito (o locus de causalidade percebido).
Pelo contrario, a oferta de um leque de alternativas, permitindo ao sujeito escolher, tem revelado efeitos positivos sobre a motivação (Zuckerman, Porac, Lathin, Smith e Deci, 1978; Swan e Pittman, 1977). Nas situacões em que é necessário colocar limites à acção do sujeito, a motivação intrínseca pode ser preservada através do reconhecimento dos seus sentimentos e desejos
(Koestner et al., 1984).
Em suma, os estudos laboratoriais experimentais mostram que as condições de contexto que são experienciadas como controladoras (por exemplo, pressionando implícita ou explicitamente a pensar, sentir ou comportar-se de um modo específico ou enfatizando o conformismo) minam a autonomia, resultando em menor iniciativa (menor frequência de actividade auto-iniciada) e em major rigidez psicológica; as condições de contexto que apoiam a autonomia (por exemplo, adoptando os quadros de referência do sujeito, oferecendo escolhas e encorajando a iniciativa pessoal) tem efeitos comparavelmente mais positivos nestes mesmos aspectos.
Estudos de campo com mães e professores indicam que as mães controladoras produzem uma diminuição da motivação para a mestria e da persistência na resolução de problemas e que os professores que apoiam a autonomia têm alunos com níveis mais elevados de motivação intrínseca, maior competência cognitiva percebida e níveis mais elevados de auto-estima, enquanto os professores controladores têm alunos com níveis mais baixos nestes aspectos e com pior realização escolar.
Não apenas a manutenção da motivação intrínseca, mas também a internalização da motivação (de valores e de processos de regulação) requer apoio a autonomia. As práticas educativas excessivamente controladoras favorecem a regulação introjectada, parecendo bloquear o processo de internalização (Deci, et al., 1994; Grolnick e Ryan, 1989). A investigação tem mostrado que as crianças com pais com estilos parentais que enfatizam a obediência são hostis (Hoffman, 1960), disfóricas e desinteressadas (Baumrind, 1967), obedientes, pouco interactivas e dominadas pelos pares (Baldwin, 1955) e apresentam baixo rendimento e fraca adaptação escolar (Grolnick e Ryan,
1989). Grolnick, Ryan e Deci (1991) demonstram que estes efeitos do ambiente parental são mediados por variáveis motivacionais tais como a auto-regulação.
Assim, a teoria e a investigação convergem na delimitação das estratégias de apoio à autonomia, sugerindo um conjunto de atitudes tais como (a) minimizar as recompensas externas, o controlo e a pressão, (b) permitir escolhas sempre que possível, (c) fornecer um rationale significativo de modo a que o indivíduo compreenda a importância pessoal da actividade, (d) relacionar explicitamente as actividades com os interesses do sujeito, (e) colocar-se na perspectiva do sujeito, (f) reconhecer os sentimentos do sujeito quando a necessário estabelecer limites (g) permitir a quantidade máxima de
auto-regulação tolerável pelo sujeito.
Estas estratégias aumentam a motivação intrínseca e o afecto positivo porque deixam os sentimentos dos sujeitos menos pressionados e mais autónomos, ajudando-os a confiar nas suas capacidades para iniciar e manter autonomamente as suas estratégias de regulação.
Em síntese, os dois processos motivacionais implicados na aprendizagem e no desenvolvimento — a manutenção da motivação intrínseca e a internalização da motivação — são facilitados em contextos familiares, escolares e sociais estruturados que apoiam a autonomia e que estimulam a exploração e a iniciativa pessoal. Pelo contrário, os contextos não estruturados e controladores dificultam estes processos motivacionais, comprometendo assim a aprendizagem e o desenvolvimento.
Marina Lemos. Motivação, aprendizagem e desenvolvimento. Pensar a Escola sob os Olhares da Psicologia. Porto: Afrontamento
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