terça-feira, 31 de maio de 2011

ESCOLHA DAS ESCOLAS


O estudo empírico realizado, com base na descrição dos fluxos dos alunos, na passagem do 9.º ano (termo da escolaridade obrigatória) para o 10.º ano (início do ensino secundário), veio mostrar que existe um desvio significativo entre o fluxo esperado (de acordo com os critérios da "carta escolar"), o fluxo que seria resultante das preferências manifestadas pelos alunos e o fluxo efectivamente ocorrido. Esse facto indicia, claramente, a existência de fenómenos de "escolha da escola" pelos alunos e suas famílias, variável em função das escolas de origem e de destino. Neste sentido, é possível apresentar de maneira sucinta as seguintes conclusões:
- As escolas são diferentemente atractivas e essa atractividade decorre fundamentalmente da composição social (e sobretudo étnica) do seu público escolar e do modo como as direcções das escolas lidam com essa situação.
- A diminuição do número de alunos e a existência de processos informais de escolha da escola explicam que se comece a assistir, na regulação dos fluxos escolares dos alunos, a uma progressiva passagem de uma "lógica da oferta" a uma "lógica da procura".
- O facto de a distribuição dos alunos pelas escolas começar a ser regulada pela procura induz o aparecimento de novos espaços de interdependência entre as escolas e entre estas e o território.
- Esses espaços de interdependência ainda não são marcados pela concorrência e pela "lógica do mercado" (como acontece em outros países onde a escolha é totalmente livre), embora tenham sido identificadas estratégias, por parte da direcção de algumas das escolas, no sentido de desenvolverem "vantagens competitivas" ("turno único", "oferta de opções de maior prestígio", "guarda dos alunos após o período escolar" etc.), tendo em vista reforçar ou melhorar a sua "posição relativa".
- A tónica dominante nas lógicas externas e internas desenvolvidas pela gestão das escolas continua a ser a do "serviço público" universal e igual para todos, mesmo se, na prática, ele apresenta deficiências e desigualdades importantes.
- Isto não impede que as escolas procurem tirar partido da existência de espaços formais ou informais de regulação local para melhorar as suas condições de oferta educativa e resolver os problemas que têm com "alguns" alunos.
- Daí que o principal factor distintivo entre as escolas (para além das características sociais e étnicas do seu público escolar) seja a capacidade de mobilização da suas direcções, no sentido de desenvolverem iniciativas próprias para resolução dos seus problemas e melhoria das suas condições de funcionamento.
- Esta "mobilização" não é determinada por uma tentativa de alterar a posição relativa entre as escolas, mas parece ter um efectivo peso no seu grau de atractividade (em relação aos alunos e pais).
- Finalmente, ainda não é visível, nessas escolas, uma forte influência dos "novos" modos de regulação emergentes nas políticas educativas baseados numa lógica de mercado. Contudo, tendo em conta, por um lado, as orientações recentes do governo que vão no sentido de aumentarem o controlo político sobre as escolas e promoverem a lógica de mercado na regulação dos fluxos escolares e, por outro lado, a continuação da diminuição dos alunos, é provável que a situação se altere. A própria "luta pela sobrevivência" (por postos de trabalho e por recursos) pode induzir mudanças nas lógicas de acção que até agora só são visíveis, pontualmente, no discurso de um número reduzido de entrevistados.
Em síntese
Como se vê, nem o sistema da "livre-escolha" nem o sistema da "obrigação de frequentar a escola do local de residência" impedem que se verifiquem processos de segregação escolar com origem em desigualdades sociais. No primeiro caso, essa segregação decorre da própria natureza da oferta escolar: há escolas "melhores" e "piores" que concorrem entre si para atrair clientes e, claro, os mais "poderosos" acabam por vencer. No segundo caso, essa segregação decorre da própria natureza da procura: há escolas aparentemente iguais que são desigualmente atractivas, em função de critérios étnicos, religiosos, sociais, de rendimento escolar etc. que só os pais mais informados e mais aguerridos são capazes de descobrir e mobilizar, em benefício dos projectos de vida que têm para os seus filhos.
Por isso, como dizem Meuret, Broccolichi & Duru-Bellat, (2001, p. 235), "entre o sistema da carta escolar e a selva do mercado, podem existir múltiplos dispositivos de escolha controlada que podem revelar-se bastante menos desiguais". Ou então, como dizem Dubet & Duru-Bellat (2000, p. 136), "mais do que impedir as famílias de fugir, mais valia dar-lhes boas razões para o não fazer". Isso passa por garantir uma escola pública justa e de qualidade para todos, que tenha em conta as especificidades locais, promovendo uma política de discriminação positiva que corrija as assimetrias económicas e sociais, fazendo da participação dos alunos, dos professores e dos pais um exercício permanente de cidadania.
Como tenho escrito, a propósito das questões da gestão local e da autonomia da escola, é preciso evitar reduzir o debate sobre as políticas educativas à falsa dicotomia entre a administração centralizada, planificada e hierarquizada, por um lado; o mercado, descentralizado, concorrencial e autónomo, por outro. A realidade é mais complexa do que este raciocínio pressupõe e existem outras alternativas na educação pública, entre o "centralismo estatal" e "a livre concorrência do mercado", entre "a fatal burocracia do sector público" e "o mito da gestão empresarial", entre "o súbdito" e o "cliente".
No caso presente, isso significa que a opção não pode estar limitada entre, por um lado, preservar a escola pública impedindo as famílias de fugirem dela e, por outro, aniquilar a escola pública com a criação artificial de um mercado educativo sustentado com dinheiro público. A solução passa, pelo contrário, por um reforço da dimensão cívica e comunitária da escola pública, restabelecendo um equilíbrio entre a função reguladora do Estado, a participação dos cidadãos e o profissionalismo dos professores, na construção de um "bem comum local" que é a educação das crianças e dos jovens. Por isso, em vez de "dar a cada escola o seu público" é preciso que cada escola se abra à "diversidade dos seus públicos", o que só é possível se for intransigente no reconhecimento dos seus direitos e se for solidária com as suas necessidades, interesses e anseios. Só assim é possível desenvolver uma nova concepção de cidadania que, como defende Whitty (2002, p. 20) "vise a criar a unidade sem negar a especificidade".
João Barroso e as desvantagens de escolha das escolas

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