terça-feira, 31 de maio de 2011

Os Jovens e a Utopia


Sei que, para os jovens de hoje, as coisas estão mais difíceis do que para as gerações anteriores. Como, talvez, não se possam comparar fenómenos que não são comparáveis, direi simplesmente que as coisas estão difíceis. Muitos pensam que os jovens dispõem de tudo: estudos, dinheiro, diversões, viagens, oportunidades ... Eu penso que lhes falta o mais essencial: o sentido das coisas numa sociedade que se desumaniza. Não é fácil resistir à corrente que nos arrasta, violentamente, para a competitividade, o individualismo, o relativismo moral e o conformismo.
Na sociedade em que vivemos, não é fácil conseguir um lugar, sem afastarmos os outros às cotoveladas. Não é fácil opor-se a quem tem algo para dar. Na altura em que têm de mostrar que valem para alguém ou para alguma coisa, vêem-se condenados a uma corrida interminável que acaba por conduzi-los ao desemprego.
Não sei quantos jovens de hoje subscreveriam as palavras de Camus: "Não podemos pôr-nos ao lado dos que fazem a história, mas ao serviço dos que a suportam". É mais fácil estar ao lado de quem pode distribuir prebendas, apoios, emprego ou, simplesmente, sorrisos.
É preocupante ver como alguns jovens viram costas à esperança, mergulhados em si mesmos, nada preocupados com os problemas das pessoas e da sociedade. É preocupante ver que os que começam a caminhar já estão cansados da viagem, fartos de si mesmos, sem vontade de melhorar o percurso da vida dos que caminham a seu lado.
Nem toda a juventude assim é. Bem o sei. Há jovens entusiastas, comprometidos, empenhados. Há jovens sensatamente optimistas e, ao mesmo tempo, com um realismo empreendedor para melhorar as coisas.
Quero repetir, aqui, a mensagem que um ancião de 88 anos escreveu para os jovens. Uma pessoa que, apesar de já ter percorrido um longo caminho semeado de obstáculos, de tragédias e de dor, ainda mantém a esperança. Não de forma ingénua, evidentemente.
Ernesto Sabato escreveu o seu testamento destinado à juventude. Foi Seix Barral quem o publicou, com o título de Antes do Fim. Aos 88 anos, este doutorado em Física que abandonou os seus trabalhos sobre radiações atómicas para se dedicar, a partir de 1945, à literatura dirige-se aos que estão a iniciar um projecto de vida. E fá-lo sem dogmatismos, com humildade. As primeiras palavras da sua obra são significativas:
"Tenho vindo a acumular muitas dúvidas ... ".
Sabato constitui como destinatários do seu testamento moral os adolescentes e os jovens. Delicada etapa da vida em que se busca, ansiosamente, o sentido das coisas. Também se dirige aos idosos que, olhando para trás, se interrogam se terá valido a pena tanta dor, tanto caminho … "Sim, escrevo isto "- diz Sabato -" sobretudo para os adolescentes e jovens, mas também para os que, como eu, nos aproximamos da morte, e nos perguntamos com que finalidade e por que razão vivemos, aguentámos, sonhámos, escrevemos, pintámos ou, muito simplesmente, empalhámos cadeiras".

Disse Camus: "Existe apenas um único problema filosófico verdadeiramente sério: o suicídio. Decidir se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia". Todas as perguntas acabam por nos conduzir a esta pergunta central que tem as suas raízes no coração humano.
Sabato não é um ingénuo. Não é um cínico. Construiu, com dor, um pequeno monte do qual se vislumbra a esperança. Muitas vezes se debruçou sobe o profundo poço do suicídio. E encontrou em si mesmo e nos outros uma réstia de esperança que o ajudou a continuar o caminho. As últimas palavras do seu testamento para os jovens são esclarecedoras: "Só os que forem capazes de encarnar a utopia estarão aptos para o decisivo combate, o de recuperar quanto de humanidade já perdemos".
Interroga-se Sabato, como já fizera antes em algumas das suas obras, sobre o sentido da pessoa na crise do nosso tempo. Estremecemos ao ler algumas das suas páginas (sobretudo o capítulo intitulado "A Dor Faz Parar o Tempo"). Como é possível manter a esperança no meio de tantos desastres, tanta miséria, tanta crueldade, tantos maus presságios?
O mais aberrante, talvez, é a desproporção da violência a que estão expostas as crianças. As torturas, a exploração, a venda, o abandono de crianças parece dar razão a Nietzsche, quando dizia: "Os valores já não valem".
O filósofo Fernando Savater encerra a sua interessante obra As Perguntas da Vida com este poema de Heinrich Heine: "E não deixamos de interrogar-nos uma e outra vez; até que um punhado de terra/ nos cala a boca! Mas, será isto uma resposta?".
Num mundo que se desumaniza, há que pensar, com Goethe, que "a humanidade acabará por triunfar". E uma boa parte desse triunfo está nas mãos da juventude.
A comunidade caminha para a Utopia. Está em Utopia. É como a personagem da seguinte história. Era uma vez, há centenas de anos, um homem que, uma noite, caminhava pelas escuras ruas duma cidade do Oriente, com uma lâmpada acesa. Encontra-se com um amigo que, surpreendido, lhe pergunta:
- Que fazes tu, que és cego, com uma lâmpada acesa nas mãos?
Responde o cego:
- Não levo a lâmpada para poder ver o meu caminho. Conheço as ruas de cor em plena escuridão. Levo esta luz para que os outros, quando derem comigo, possam descobrir o seu caminho.
A esperança radica na ajuda mútua, na justa convivência, na solidariedade. Li numa parede da cidade de São Salvador de Jujuy este grafito: "Somos anjos com uma asa. Precisamos de nos abraçar para poder voar".

Miguel Santos Guerra. No coração da escola.

ESCOLHA DAS ESCOLAS


O estudo empírico realizado, com base na descrição dos fluxos dos alunos, na passagem do 9.º ano (termo da escolaridade obrigatória) para o 10.º ano (início do ensino secundário), veio mostrar que existe um desvio significativo entre o fluxo esperado (de acordo com os critérios da "carta escolar"), o fluxo que seria resultante das preferências manifestadas pelos alunos e o fluxo efectivamente ocorrido. Esse facto indicia, claramente, a existência de fenómenos de "escolha da escola" pelos alunos e suas famílias, variável em função das escolas de origem e de destino. Neste sentido, é possível apresentar de maneira sucinta as seguintes conclusões:
- As escolas são diferentemente atractivas e essa atractividade decorre fundamentalmente da composição social (e sobretudo étnica) do seu público escolar e do modo como as direcções das escolas lidam com essa situação.
- A diminuição do número de alunos e a existência de processos informais de escolha da escola explicam que se comece a assistir, na regulação dos fluxos escolares dos alunos, a uma progressiva passagem de uma "lógica da oferta" a uma "lógica da procura".
- O facto de a distribuição dos alunos pelas escolas começar a ser regulada pela procura induz o aparecimento de novos espaços de interdependência entre as escolas e entre estas e o território.
- Esses espaços de interdependência ainda não são marcados pela concorrência e pela "lógica do mercado" (como acontece em outros países onde a escolha é totalmente livre), embora tenham sido identificadas estratégias, por parte da direcção de algumas das escolas, no sentido de desenvolverem "vantagens competitivas" ("turno único", "oferta de opções de maior prestígio", "guarda dos alunos após o período escolar" etc.), tendo em vista reforçar ou melhorar a sua "posição relativa".
- A tónica dominante nas lógicas externas e internas desenvolvidas pela gestão das escolas continua a ser a do "serviço público" universal e igual para todos, mesmo se, na prática, ele apresenta deficiências e desigualdades importantes.
- Isto não impede que as escolas procurem tirar partido da existência de espaços formais ou informais de regulação local para melhorar as suas condições de oferta educativa e resolver os problemas que têm com "alguns" alunos.
- Daí que o principal factor distintivo entre as escolas (para além das características sociais e étnicas do seu público escolar) seja a capacidade de mobilização da suas direcções, no sentido de desenvolverem iniciativas próprias para resolução dos seus problemas e melhoria das suas condições de funcionamento.
- Esta "mobilização" não é determinada por uma tentativa de alterar a posição relativa entre as escolas, mas parece ter um efectivo peso no seu grau de atractividade (em relação aos alunos e pais).
- Finalmente, ainda não é visível, nessas escolas, uma forte influência dos "novos" modos de regulação emergentes nas políticas educativas baseados numa lógica de mercado. Contudo, tendo em conta, por um lado, as orientações recentes do governo que vão no sentido de aumentarem o controlo político sobre as escolas e promoverem a lógica de mercado na regulação dos fluxos escolares e, por outro lado, a continuação da diminuição dos alunos, é provável que a situação se altere. A própria "luta pela sobrevivência" (por postos de trabalho e por recursos) pode induzir mudanças nas lógicas de acção que até agora só são visíveis, pontualmente, no discurso de um número reduzido de entrevistados.
Em síntese
Como se vê, nem o sistema da "livre-escolha" nem o sistema da "obrigação de frequentar a escola do local de residência" impedem que se verifiquem processos de segregação escolar com origem em desigualdades sociais. No primeiro caso, essa segregação decorre da própria natureza da oferta escolar: há escolas "melhores" e "piores" que concorrem entre si para atrair clientes e, claro, os mais "poderosos" acabam por vencer. No segundo caso, essa segregação decorre da própria natureza da procura: há escolas aparentemente iguais que são desigualmente atractivas, em função de critérios étnicos, religiosos, sociais, de rendimento escolar etc. que só os pais mais informados e mais aguerridos são capazes de descobrir e mobilizar, em benefício dos projectos de vida que têm para os seus filhos.
Por isso, como dizem Meuret, Broccolichi & Duru-Bellat, (2001, p. 235), "entre o sistema da carta escolar e a selva do mercado, podem existir múltiplos dispositivos de escolha controlada que podem revelar-se bastante menos desiguais". Ou então, como dizem Dubet & Duru-Bellat (2000, p. 136), "mais do que impedir as famílias de fugir, mais valia dar-lhes boas razões para o não fazer". Isso passa por garantir uma escola pública justa e de qualidade para todos, que tenha em conta as especificidades locais, promovendo uma política de discriminação positiva que corrija as assimetrias económicas e sociais, fazendo da participação dos alunos, dos professores e dos pais um exercício permanente de cidadania.
Como tenho escrito, a propósito das questões da gestão local e da autonomia da escola, é preciso evitar reduzir o debate sobre as políticas educativas à falsa dicotomia entre a administração centralizada, planificada e hierarquizada, por um lado; o mercado, descentralizado, concorrencial e autónomo, por outro. A realidade é mais complexa do que este raciocínio pressupõe e existem outras alternativas na educação pública, entre o "centralismo estatal" e "a livre concorrência do mercado", entre "a fatal burocracia do sector público" e "o mito da gestão empresarial", entre "o súbdito" e o "cliente".
No caso presente, isso significa que a opção não pode estar limitada entre, por um lado, preservar a escola pública impedindo as famílias de fugirem dela e, por outro, aniquilar a escola pública com a criação artificial de um mercado educativo sustentado com dinheiro público. A solução passa, pelo contrário, por um reforço da dimensão cívica e comunitária da escola pública, restabelecendo um equilíbrio entre a função reguladora do Estado, a participação dos cidadãos e o profissionalismo dos professores, na construção de um "bem comum local" que é a educação das crianças e dos jovens. Por isso, em vez de "dar a cada escola o seu público" é preciso que cada escola se abra à "diversidade dos seus públicos", o que só é possível se for intransigente no reconhecimento dos seus direitos e se for solidária com as suas necessidades, interesses e anseios. Só assim é possível desenvolver uma nova concepção de cidadania que, como defende Whitty (2002, p. 20) "vise a criar a unidade sem negar a especificidade".
João Barroso e as desvantagens de escolha das escolas

ABULIA E ESFORÇO


Um dos problemas que, na minha opinião, afecta hoje em dia uma boa parte dos jovens é uma abulia quase consubstancial. A abu¬lia, como toda a gente sabe, é a falta de vontade ou a diminuição notável da sua energia. Qualquer esforço sustentado se converte num obstáculo incontornável. O fácil, o rápido, o cómodo são objectivos preferíveis. "Bute lá", "é giro", "é altamente", "é fixe", "é uma curte" ... são etiquetas de garantia para as actividades mais diversas. O sacrifício, o esforço, a constância, a vontade, a resistência perante a adversidade, a superação das dificuldades são atitudes antipáticas e, de per se, rejeitáveis.
Ora bem, o convite à facilidade e à moleza que a sociedade faz aos jovens colide com as exigências de uma vida cada vez mais complexa e mais exigente. Deste paradoxo derivam muitos proble¬mas. A comodidade que se oferece aos jovens como chamariz con¬verte-se numa armadilha. Porque o que a vida lhes exige (os estudos, o trabalho, a comunicação ... ) é uma exigência permanente. As famílias tentam dar às crianças uma vida fácil, "fazem-lhes a papinha toda", estimulam o exercício e a defesa dos direitos mais do que o cumprimento dos deveres. Por isso, produz-se com frequência o de¬salento perante o fracasso, a desistência perante o esforço, a escolha do que é mais cómodo, a fuga pelo caminho mais fácil, o abandono de metas distantes ...
É conhecida a fábula das duas rãs que caíram numa vasilha cheia de leite. Uma delas cansou-se e desanimou, não fez nada, ficou pa¬rada e afogou-se. A outra começou a agitar as patas constantemente, com força, tentando desesperadamente não se afogar. Com o seu movimento acabou por converter o leite em manteiga. Colocou-se na parte superior e evitou a asfixia. O esforço, a constância e a atitude positiva salvaram-na da morte.
Um pensamento de Robert Cavett serve-me de epílogo à fábula das rãs: "Uma pessoa não se afoga por cair à água. Só se afoga se lá ficar". Quando as águas descem o rio revoltas e turvas, torna-se ainda mais necessário nadar contra a corrente. Hoje é absolutamente essencial. Descem turbulentas as águas neoliberais do individua¬lismo, da competitividade, do relativismo moral, do presentismo no prazer, do hedonismo a todo o custo, da obsessão pela eficácia a curto prazo ... Torna-se necessário nadar com força contra a força das águas. Só os peixes mortos são arrastados pela corrente.
A sociedade propõe aos jovens modelos atraentes: pessoas que enriquecem subitamente sem qualquer esforço, raparigas que atingem a fama através dos seus devaneios amorosos, rapazes cujos nomes são conhecidos por todos porque deram rédea solta ao seu impulso sexual num programa de televisão. Para atingir essas metas não foi necessário o esforço quotidiano, a repetição monótona de actividades escassamente estimulantes ou a superação de adversidades importantes.
Existem muitas dificuldades. Talvez mais do que nunca. Não penso que os jovens tenham a vida muito fácil. Têm mais coisas, mais meios, mais possibilidades, mas muitos mais obstáculos para poderem avançar. Num momento da sua existência em que uma pessoa mais necessita valer-se a si próprio e valer aos restantes, vê-se condenada ao desemprego e à dependência indefinida. O perigo está em cruzar os braços, em esperar que os problemas se resolvam sozinhos ou que sejam resolvidos pelos outros. O perigo reside em optar por sucedâneos perigosos ou claramente destrutivos. Chama-os a droga, sorri-lhes o álcool, empurra-os a delinquência.
Já vi jovens derrubarem-se perante uma má nota depois de terem realizado um esforço para conseguir passar, ou abandonar
uma corrida que exige um esforço persistente; já os vi desfeitos à primeira negativa amorosa, aborrecidos e abúlicos perante um fim-de-semana em que não lhes organizaram o ócio, desesperados pe¬rante a procura infrutífera do primeiro emprego.
Nem tudo o que temos que fazer na vida é atraente e motiva dor.
Algumas actividades e atitudes são claramente ingratas. Desmoralizar-se é carecer de moral. Quando tudo escurece, quando falta o ar porque nos encontramos no meio de um túnel, o perigo reside em sentar-se a lamentá-lo, em maldizer-se a si próprio e em pôr-se a chorar. Se se continua a caminhar, aparecerá ao fundo a luz e o ar livre.
Cairia num gravíssimo erro se dissesse que todos os jovens correspondem à mesma configuração. Sei que há tantas formas de ser e de reagir quantos os jovens que existem. Falo de uma tendência pe¬rigosa, de uma insidiosa armadilha que deve fazer-nos pensar, aos pais/mães e aos educadores. E, sobretudo, aos jovens. Um sinal de maturidade é não esperar que nos tragam o prémio numa bandeja. Há que ir procurá-lo, há que ganhá-lo. Há que esforçar-se por consegui-lo, não sem dificuldade. A atitude infantil consiste em espernear porque desapareceu.
É preciso educar a vontade. Isso supõe exercitar o controlo da impulsividade e do esforço, manter a constância, superar a adversidade, recuperar-se perante a frustração e criar hábitos de disciplina. Claro que o exercício da vontade exige, paradoxalmente, uma grande força de vontade. Por onde começar? Resolver o problema da vontade é solucionar o enigma do barão de Münchhausen, que se tirou a si mesmo e ao seu cavalo de um pântano puxando-se a si próprio pelos cabelos para cima. Nesse paradoxo se sustenta o pro¬cesso de aprender. De facto, aprender a andar de bicicleta consiste em sentar-se sobre ela e começar a pedalar sem cair. Exactamente o que não sabíamos fazer.
Em 1997, José Antonio Marina escreveu um interessante livro intitulado O mistério da vontade perdida. Explica que desapareceu dos 318 livros de psicologia e das preocupações pedagógicas o conceito de vontade e da sua educação. Nos tratados e manuais, não se encontra a palavra vontade, que foi substituída pela de motivação. "A vontade", disse Marina, "é a direcção inteligente da acção". Estou de acordo. Não se trata de um exercício da vontade por si mesmo, sem uma finalidade inteligente e ética. Há que escolher bem as metas e manter a decisão de as atingir.
Há duas formas básicas de reagir perante o esforço necessário para viver dignamente, perante as inevitáveis dificuldades da vida. Uma é a da rã que se abandona e se afoga. A outra é a do esforço sustentado. A que consegue superar as dificuldades e andar para a frente, partindo em mil pedaços o fatalismo. A que é capaz de con¬verter dois sinais de menos (duas situações adversas) num sinal de mais (um motivo de superação e de optimismo). Não se passa automaticamente de não ter capacidade de esforço a tê-la já desenvolvida. É preciso prática. Não se trata de cultivar uma atitude maso¬quista, mas sim de encaminhar a acção de forma inteligente para uma vida digna. Gandhi dizia: "A nossa recompensa encontra-se no esforço e não no resultado. Um esforço total é uma vitória completa".

Miguel Santos Guerra, No coração da Escola

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Expectativa


É claro que não basta apresentar bem a matéria para que ela atraia e o aluno se ponha a caminho. A televisão e o cinema podem fascinar sem atrair. Nunca poderemos substituir os docentes pelos meios audiovisuais, porque estes não esperam nada dos alunos, não têm esperança neles nem expectativa do seu movimento.
Modernas investigações mostram bem a importância fundamental desta expectativa. Todos conhecemos os estudos sobre o efeito de Pigmaleão. Se eu estou convencido que o aluno pode, ele poderá; se eu espero que ele aprenda, ele aprenderá; se eu confio em que ele estude, ele estudará.
Esta expectativa transmite-se de mil maneiras: é o olhar de conivência, é o sorriso de entendimento, é a chamada ao quadro repetida. E, ao contrário, a ausência de esperança também se transmite. Quando nunca me lembro do nome do aluno, quando nunca o chamo, ou até quando lhe digo logo à partida «que o melhor é nem tentares porque tu não és para isto».

Pedro d'Orey da Cunha

A confiança e a cooperação


A silagem da vida pessoal e comum é o pior caminho. Temos de sair de nós, dos iguais a nós, dos que só pensam como nós e dar os novos nós de que este país precisa para construir um futuro melhor, aberto, fundado sobre o encontro, sobre os nossos valores partilhados, à medida dos nossos passos. Temos de traba¬lhar nas fronteiras, não dentro. O nosso direito não consiste em garantirmos todos os nossos direitos, porque, como diz Lévinas, os direitos do homem são "originariamente os direitos do outro homem". A nossa responsabilidade é o nosso dever de cuidado do outro, de acolhimento do outro, que é o lugar onde nasce a necessidade imperiosa da justiça, o lugar onde a polis é essa praça de hospitalidade onde estão todos os outros, sujeitos e autores da história. Não há amanhãs que cantam. Ou são os nossos passos que atravessam as fronteiras e reconhecem e cooperam e se com¬prometem ou não haverá mais caminho (ainda que se continue penosamente a caminhar sem se saber para onde).A manter-se o quadro de desconfiança em que se vive é impossível avançarmos, que não seja para entrarmos no jogo do avança-recua-avança-recua, isto é, num jogo de resultado zero. Um jogo que se joga mesmo em exaustão, mas apenas porque tem de ser. Por sua vez, a confiança é um caminho, mais, é o caminho. Como é que se gera a confiança, como é que ela se alimenta e prolonga no tempo? Como diz Elinor Ostrom (2009), essa questão pode enunciar-se, no quadro da sua teoria dos sistemas e da governança policêntrica, do seguinte modo: como incentivar instituições policêntricas a serem mais inovadoras, aprendentes, confiantes, cooperantes em ordem a um desempenho social mais eficaz, mais equitativo e sustentado? A confiança desempenha um papel central nas relações so¬ciais e na resolução dos problemas concretos. Desde logo, em cada comunidade local. Se queremos mesmo mudar de política educacional, a questão não consiste mais em saber como é que nos podemos relacionar melhor com o Estado, como é que este nos vai apoiar mais, como é que lutamos entre nós pelos "seus" sub¬sídios e recursos, mas sim como é que socialmente nos organizamos para o sucesso dos nossos alunos, como é que robustecemos a nossa capacidade de alcançar melhorias, em cada escola, como é que desenvolvemos a cooperação, as sinergias e, sobretudo, como é que fazemos emergir mais e melhores compromissos comuns, em prol do bem comum, aplicando bem os nossos tão escassos recursos. A retórica da debilidade da sociedade civil, como dissemos, corresponde a uma fabricação do Estado autoritário e uniformizante para justificar o seu intervencionismo sem limites. E não nos deixa sequer ver que é este intervencionismo que gera as mais variadas debilidades e as mais servis dependências e que a persis¬tência deste modelo só perpetua as debilidades. E também não deixa ver que a principal debilidade está na falta de inteligência e solidariedade com que o mesmo Estado actua e delapida recursos comuns. Já Stuart Mill, em meados do Séc. XIX, dizia que "a característica peculiar do ser humano civilizado é a capacidade de cooperação. E esta, como todas as outras faculdades humanas, tende a desenvolver-se com o uso e torna-se capaz de abranger uma gama cada vez maior de acções". Nesta premissa antropológica profetizou, em 1848: "não há nada de mais seguro, entre as mudanças sociais do futuro próximo, do que um crescimen¬to progressivo do princípio e da prática da cooperação" (Bruni, 2010). Pena foi que a economia de mercado, colocada diante do desastroso arranque do Séc. XX -Primeira Guerra Mundial e Re¬volução Soviética - tivesse feito uma deriva para uma lógica tão servil ao lucro, quando sempre lhe esteve aberto o campo da livre iniciativa e da cooperação para a resolução dos problemas huma¬nos. Mas estamos sempre a tempo, como já se pressente um pouco por todo o mundo, de seguir um rumo diverso. Somos pessoas e somos cidadãos, não somos consumidores estatais e votantes (mesmo que possamos livremente votar e até, quando necessário, "votar com os pés"). Vivemos num contexto de profunda transição cultural (não apenas de crise financeira ou económica) e já não chega repetirmos o disco de sempre: o mer¬cado falha, os indivíduos estão desorganizados e não estão dis¬postos a resolver os seus problemas, a sociedade civil é débil, logo o governo vai ter de resolver! Ou então que a escola de virtudes é a vida privada, que o bem-ser e o bem-estar são problemas que se colocam apenas quando acabamos o nosso trabalho, pois serão problemas pós-produtivos e pós-públicos.Chega de cairmos nestas armadilhas da perpetuação, por um lado, da exploração estatista da sociedade e do adormecimen¬to desta num colo de proteccionismo estatal e, por outro, da ex¬ploração humana pelo trabalho, quando mercado e civilidade são amplamente compatíveis (Bruni, 2010)) É preciso fazer o luto de um século XX desperdiçado e avançar sem medo para novos ága¬pes, reconstruindo aí, no encontro e na pólis, a própria política.

Precisamos sobretudo de construir mais e mais confiança no outro (pessoas e instituições) e desenvolver em comum regras institucionais bem combinadas com os contextos concretos. Estas relações de confiança constituem uma causa e um efeito dessa abertura ao outro, dessa capacidade de ousar trabalhar nas fron¬teiras. As pessoas têm motivação e capacidade para resolverem os seus problemas. Quem diz que não têm é quem ou quer conti-nuar a deter um poder de controlo sobre os outros, para os mais variados fins de escravização, ou não percebeu ainda como é que se podem gerar ambientes e desenhar quadros institucionais que favoreçam essa mobilização das capacidades das pessoas e das ins¬tituições. Ora, esse constitui o papel central das políticas públicas: facilitar a geração desses ambientes e o desenho desses quadros institucionais que tragam, em liberdade de acção e organização, o melhor das instituições e das pessoas (...).

Joaquim Azevedo (2011). Liberdade e Política Pública de Educação - Ensaio sobre um novo compromisso social pela educação. Vila Nova de Gaia: Fundação Manuel Leão

Papel da Motivação na Aprendizagem


Se o desenvolvimento psicológico resulta em grande parte da actividade motivada — particularmente da actividade orientada para a satisfação das necessidades de competência e de autonomia —, a analise das condições socio-contextuais que facilitam ou dificultam a satisfação destas duas necessidades contribuirá para a compreensão dos processos de desenvolvimento. Os factores que afectam a autonomia percebida, a competência percebida, ou ambas, afectam a motivação intrínseca c a internalização e, consequentemente, a qualidade geral do desenvolvimento.

De forma geral, as ambientes estruturados e que apoiam a autonomia facilitam as experiências de competência e de autonomia, e os ambientes inconsistentes, controladores e amotivacionais dificultam-nas.

A estrutura refere-se a quantidade de informação existente no contexto acerca dos modos eficazes de atingir resultados desejados e ao grau de consistência, de previsibilidade e de orientação no ambiente. 0 seu oposto é o caos. A estrutura do ambiente relaciona-se sobretudo com o sentimento de competência. A percepção de competência refere-se à percepção do sujeito acerca do seu acesso aos meios necessários para atingir fins desejados (percepção eu-meios).

De forma geral, os ambientes estruturados favorecem percepções de competência elevada. Mais especificamente, as experiencias de competência são promovidas em ambientes (a) que veiculam expectativas adequadas, não ultrapassando por defeito nem por excesso o nível de desenvolvimento do sujeito; (b) que disponibilizam apoio instrumental para a realização; (c) que adaptam as estratégias de ensino ao nível de competência do sujeito; (d) que oferecem desafios óptimos; (e) que proporcionam oportunidades de sucesso.

Outros aspectos da estrutura do ambiente, em particular a consistência e previsibilidade, têm sido vistos como determinantes da qualidade do desenvolvimento. Esta relação pode tamb6m ser compreendida em parte como mediada por processos motivacionais relacionados com a experiencia de competência. Investigações conduzidas em contextos quer educativos quer familiares (Grolnick e Ryan, 1989) quer escolares (Harter, 1986) explicam a influência da consistência e previsibilidade sobre o desenvolvimento através do efeito que estas características do ambiente tem sobre uma variável motivacional fundamental: o grau de compreensão acerca daquilo que controla os acontecimentos e resultados. 0 conhecimento acerca dos modos eficazes de obter resultados desejados (percepção meios-fins) é fundamental para as experiências de competência e eficácia. 0 desconhecimento ou incompreensão quanto às fontes de controlo produz uma diminuição do nível de realização, um comportamento passivo e uma diminuição geral da actividade motivada (Connell, 1980). Saliente-se que, no 'modelo desenvolvido por Harter para explicar as relações entre a motivação e a aprendizagem escolar, o controlo “desconhecido” se situa precisamente no início da cadeia causal: o grau de controlo desconhecido afecta directamente o nível de realização; este, por sua vez, afecta a competência percebida, a qual influencia a orientação intrínseca versus extrínseca. Assim, a quantidade de conhecimento acerca do que controla os acontecimentos é crucial na determinação da orientação motivacional intrínseca.

Em resumo, os ambientes consistentes e previsíveis, nos quais há uma comunicacão clara de expectativas, de regras e de informação acerca do que produz os acontecimentos e resultados, permitem ao sujeito confiar e interessar-se pelo ambiente. 0 apoio e a autonomia referem-se à quantidade de liberdade dada ao sujeito para determinar por si próprio o seu comportamento. O oposto de ser apoiado neste sentido é ser coagido. Apoiar a autonomia significa apoiar activamente a capacidade de iniciativa e de autodeterminação do sujeito e não deve ser confundida com a permissividade, a negligência ou a ausência de acordo por parte do ambiente. Diversos estudos exploraram os efeitos de vários contextos sociais sobre a autonomia, a motivação intrínseca, a internalização e o desenvolvimento.

Os estudos sobre os efeitos das recompensas na motivação mostram sistematicamente que a atribuição de recompensas materiais ou interpessoais controladoras tem um efeito debilitante nos comportamentos espontâneos de procura de desafios (Deci, 1971, 1972; Lepper, Greene, e Nisbett, 1973), na autonomia e na motivação intrínseca (Harackiewicz, 1979; Ross, 1975).

A utilização de estratégias controladoras inibe o investimento activo e autónomo e fomenta uma orientação mais passiva e mais rígida (McGraw e McCullers, 1979). Os ambientes impositivos, vigilantes e geridos por contingências tendem a reduzir comportamentos que são essenciais para o desenvolvimento de diversas competências específicas, tais como a exploração, a procura de desafios e a curiosidade. Assim, as estratégias de estimulação do desenvolvimento baseadas no controlo podem bloquear alguns dos principais tipos de actividade intrinsecamente motivada que suportam o desenvolvimento.
Também as estratégias motivacionais coercivas tais como a ameaça de castigo (Deci e Cascio, 1972), a vigilancia (Lepper e Greene, 1975; Plant e Ryan, 1985), as avaliações (Smith, 1974) e o uso de linguagem controladora (Ryan, 1982) minam a motivação intrínseca porque o significado funcional destas tácticas é controlador, afectando assim o sentimento de autonomia do sujeito (o locus de causalidade percebido).

Pelo contrario, a oferta de um leque de alternativas, permitindo ao sujeito escolher, tem revelado efeitos positivos sobre a motivação (Zuckerman, Porac, Lathin, Smith e Deci, 1978; Swan e Pittman, 1977). Nas situacões em que é necessário colocar limites à acção do sujeito, a motivação intrínseca pode ser preservada através do reconhecimento dos seus sentimentos e desejos
(Koestner et al., 1984).

Em suma, os estudos laboratoriais experimentais mostram que as condições de contexto que são experienciadas como controladoras (por exemplo, pressionando implícita ou explicitamente a pensar, sentir ou comportar-se de um modo específico ou enfatizando o conformismo) minam a autonomia, resultando em menor iniciativa (menor frequência de actividade auto-iniciada) e em major rigidez psicológica; as condições de contexto que apoiam a autonomia (por exemplo, adoptando os quadros de referência do sujeito, oferecendo escolhas e encorajando a iniciativa pessoal) tem efeitos comparavelmente mais positivos nestes mesmos aspectos.

Estudos de campo com mães e professores indicam que as mães controladoras produzem uma diminuição da motivação para a mestria e da persistência na resolução de problemas e que os professores que apoiam a autonomia têm alunos com níveis mais elevados de motivação intrínseca, maior competência cognitiva percebida e níveis mais elevados de auto-estima, enquanto os professores controladores têm alunos com níveis mais baixos nestes aspectos e com pior realização escolar.

Não apenas a manutenção da motivação intrínseca, mas também a internalização da motivação (de valores e de processos de regulação) requer apoio a autonomia. As práticas educativas excessivamente controladoras favorecem a regulação introjectada, parecendo bloquear o processo de internalização (Deci, et al., 1994; Grolnick e Ryan, 1989). A investigação tem mostrado que as crianças com pais com estilos parentais que enfatizam a obediência são hostis (Hoffman, 1960), disfóricas e desinteressadas (Baumrind, 1967), obedientes, pouco interactivas e dominadas pelos pares (Baldwin, 1955) e apresentam baixo rendimento e fraca adaptação escolar (Grolnick e Ryan,
1989). Grolnick, Ryan e Deci (1991) demonstram que estes efeitos do ambiente parental são mediados por variáveis motivacionais tais como a auto-regulação.

Assim, a teoria e a investigação convergem na delimitação das estratégias de apoio à autonomia, sugerindo um conjunto de atitudes tais como (a) minimizar as recompensas externas, o controlo e a pressão, (b) permitir escolhas sempre que possível, (c) fornecer um rationale significativo de modo a que o indivíduo compreenda a importância pessoal da actividade, (d) relacionar explicitamente as actividades com os interesses do sujeito, (e) colocar-se na perspectiva do sujeito, (f) reconhecer os sentimentos do sujeito quando a necessário estabelecer limites (g) permitir a quantidade máxima de
auto-regulação tolerável pelo sujeito.

Estas estratégias aumentam a motivação intrínseca e o afecto positivo porque deixam os sentimentos dos sujeitos menos pressionados e mais autónomos, ajudando-os a confiar nas suas capacidades para iniciar e manter autonomamente as suas estratégias de regulação.

Em síntese, os dois processos motivacionais implicados na aprendizagem e no desenvolvimento — a manutenção da motivação intrínseca e a internalização da motivação — são facilitados em contextos familiares, escolares e sociais estruturados que apoiam a autonomia e que estimulam a exploração e a iniciativa pessoal. Pelo contrário, os contextos não estruturados e controladores dificultam estes processos motivacionais, comprometendo assim a aprendizagem e o desenvolvimento.

Marina Lemos. Motivação, aprendizagem e desenvolvimento. Pensar a Escola sob os Olhares da Psicologia. Porto: Afrontamento

Razões do bloqueio da educação


Estamos bloqueados. Não vislumbro claramente quando vai ser possível rompermos este bloqueio. A minha análise e as minhas propostas não coincidem com nenhuma proposta política que está hoje sobre a mesa, em termos de programa eleitoral de qualquer partido com assento parlamentar, o que as torna pouco aptas como solução política imediata. Isso em nada me dificulta ou impede esta tarefa de compartilhar a minha análise e as minhas propostas com os meus concidadãos. Nas partes finais deste ensaio, alinho alguns elementos acerca do que me parece constituir um caminho possível, necessariamente complexo, neste mundo em que vivemos, dada a complexidade dos problemas socioculturais em que nos atolamos. Para já, finalizo apenas esta primeira parte com uma síntese acerca do quadro explicativo para a situação em que estamos.

Estamos bloqueados:

- porque entendemos que a educação é uma questão técnica (de gabinete e de iluminação dos governos) e não política (do espaço público), enredando-nos em teias de fios sem fim e de todas as cores, inextrincáveis e inexplicáveis. Teremos entretenimento para muitas mais equipas que passem pela 5 de Outubro (se o principal problema fossem os ministros, o problema já se teria resolvido, tanto eles e elas têm rodado), mas não teremos melhorias significativas nas políticas de educação, ou seja, na qua¬lidade dos resultados escolares de todos os portugueses;

- porque não apoiamos as famílias na sua tarefa de educar os filhos e não responsabilizamos crescentemente todas as instituições sociais na sua quota parte de educação dos cidadãos, preferindo remeter para a escola todas as tarefas educativas da sociedade, fazendo dela um balão tão inchado que descola quer da realidade quer da sua principal missão (criando o efeito escola descolada);

- porque não aprendemos a focar a nossa acção no ensino e nas aprendizagens, ou seja, na pedagogia: lidar com as diferenças sociais, pessoais, de aprendizagem, que são o pão nosso de uma escola aberta a todos e que a todos quer oferecer percursos de qualidade. Focar significa lidar com estas diferenças com coragem, enfrentando-as e resolvendo-as com rigor, com trabalho árduo de equipas interprofissionais, com lideranças capazes e com persistência;

- porque os professores, que deviam estar focadas no ensino e nas aprendizagens de todos os alunos, em torno das equipas docentes que leccionam cada turma, são permanentemente desviados para processos e tarefas que são construídos e tornados obrigatórios por parte de quem não conhece o processo de ensino e aprendizagem, o seu propósito, os seus intervenientes e os seus imprescindíveis passos;

- porque a administração educacional (e não só) labora sob o signo da desconfiança nas escolas e nos professores; enquanto não trabalharmos sob o paradigma da confiança, todas as pequenas construções, por mais interessantes que sejam, venham elas do poder político e da administração educacional, venham elas das escolas ou da cooperação de instituições locais, de pouco ou nada servem pois são desvirtuadas, desvalorizadas e devoradas pela máquina administrativa, na primeira oportunidade;

- porque a sociedade portuguesa, pessoas e instituições, se compromete ainda pouco com as suas escolas e na sua educação, relegados que são para um terreno secundaríssimo, pois as escolas são "contentores" que o Estado coloca, chave-na-mão, em cima dos territórios locais. Os mais variados actores sociais ainda estão longe de se sentirem convocados para um envolvimento, devidamente esclarecido, na melhoria da educação de todos os portugueses nas suas comunidades de pertença;

- porque existe um clima de irresponsabilidade incutido pela acção omnipresente, omnisciente, hiperregulamentadora e uniformizante do Estado português na educação, ela mesma geradora de um "faz-de-conta" que tudo impregna e de uma descrença de que somos capazes, professores e alunos, com o apoio de toda a comunidade, de melhorar a educação sem ser pela acção salvífica do mesmo Estado cada vez mais omnipresente, unifor¬mizante, centralizador, cada vez mais perfeito e eficaz, ... ;
- porque para muitos dos defensores de melhor educação para Portugal só existem, infelizmente, dois campos dicotómicos a pensar: o Estado ou o mercado. Ainda por cima colam os dois principais partidos políticos a cada um deles (quando, verdadeiramente, os deviam colar a ambos ao Estado). O grande erro está, por um lado, na dicotomia que se estabelece e, por outro, no facto de se deixar de lado a sociedade, o poder das pessoas e das instituições sociais, a sua capacidade para fazer bem e para fazer melhor aquilo que é importante para as suas vidas e para a vida das suas comunidades. O futuro tem de contar com um tripé de sustentabilidade: Estado, mercado e sociedade (sector social e solidário);

- porque o populismo e o cinismo, a demagogia e o desespero, têm uma voz muito activa, detêm poder e, além disso, são impacientes e criam um efeito de ilusionismo que a todos confunde. E os media dão e darão mais voz ao escândalo do que à lenta construção de um caminho de esperança.
Não precisamos de consensos "falsificados" entre os partidos políticos, porque podem dizer tudo e nada significarem, não precisamos de "pactos educativos" que nos chegam às escolas pelo correio (como já aconteceu), que falam de tudo e não têm ninguém lá dentro.

Sustento que se inscreva a educação no espaço público e se enverede pelo caminho político da melhoria da educação, sustentadamente, ou seja, uma melhoria baseada em compromissos sociais e contratos de confiança, em programas de desenvolvimento e melhoria do desempenho das escolas, com responsabilidades claras, assumidas e avaliadas quer pelo Estado quer pela comunidade.

Joaquim Azevedo (2011). Liberdade e Política Pública de Educação - Ensaio sobre um novo compromisso social pela educação. Vila Nova de Gaia: Fundação Manuel Leão