segunda-feira, 28 de junho de 2010
ROSTO-OLHAR
O que é um olhar? O olhar não se encontra nos olhos. Observação de Sartre: “O olhar do Outro esconde os seus olhos”. Observação de Cecília Meireles: “O sentido está guardado no rosto com que te observo”. Eu não te observo com os meus olhos. Eu te observo com o meu rosto. Os olhos são peças anatómicas assustadoras em si mesmas. Olhos não têm sentido. Eles nada dizem. Mas o rosto com que te observo guarda um segredo. Não observo com os olhos. Observo com o rosto. É o rosto que desvenda o mistério do olhar. O rosto da mãe revela à criança o segredo do seu olhar. Isso é verdade até para os animais: o olhar de um cão…
Roland Barthes é uma excepção. Ele não tinha medo de pensar os seus próprios pensamentos, mesmo que não pudessem ser cientificamente comprovados. Às vezes, a exigência de provas é uma manifestação de burrice. Acho que se ele tivesse que resumir o que pensava sobre educação numa única frase, ele diria: “No princípio é o olhar…”. A educação acontece na subtil trama entre os olhares da mãe e do filho. Pois é aí que se revela o desejo.Vejam esta deliciosa descrição da mãe ensinando o filhinho a andar:
Quando a criança aprende a andar, a mãe não discorre, nem demonstra: ela não ensina a andar, ela não representa (não anda diante da criança): ela sustenta, encoraja, chama (recua e chama): ela incita e cerca: a criança pede a mãe e a mãe deseja o andar da criança.
Van Gogh tem uma delicada tela que representa esta cena: o pai, jardineiro, interrompeu o seu trabalho; está ajoelhado no chão, com os braços estendidos para criança que chega, conduzida pela mãe. O rosto do pai não pode ser visto. Mas é certo que ele está sorrindo. O rosto-olhar do pai está dizendo para o filhinho: “Eu quero que andes”. É o desejo de que a criança ande, desejo que assume forma sensível no rosto da mãe ou do pai, que incita a criança na aprendizagem dessa coisa que não pode ser ensinada nem por exemplos, nem por palavras.
Os educadores académicos dirão que isso é piegas, romântico – não é científico. É verdade. O que eu disse não pode ser dito cientificamente. Só poeticamente. Acontece que, como disse Bernardo Soares, o facto é que somos incuravelmente românticos! Assim, sendo a educação uma coisa romântica (não consigo pensar uma criança sem ternura), eu lhe digo: “Professor: trate de prestar atenção no seu olhar. Ele é mais importante que os seus planos de aula. O olhar tem o poder para despertar e para intimidar a inteligência. O olhar é um poder bruxo!”.
Rubem Alves
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