segunda-feira, 28 de junho de 2010

DIFERENCIAÇÃO PEDAGÓGICA


É difícil diferenciar sozinho. No mínimo, deve-se negociar com os colegas mais próximos e com a administração para ampliar os graus de liberdade com relação ao programa, à avaliação, ao emprego de tempo e do espaço: toda diferenciação pedagógica obriga a trapacear mais ou menos discretamente com as normas do estabelecimento. De preferência, deve-se trabalhar com os pais, para associá-los a um contrato de trabalho ou, ao menos, para evitar as ações discordantes, por exemplo, a repressão por parte da família no momento em que o professor se esforça para elevar a auto-estima de seu aluno (Montandon e Perrenoud, 1987).

A diferenciação deveria estar, sobretudo, a cargo de uma equipa peda­gógica por muitas razões evidentes: divisão do trabalho, reforço mútuo, continuidade ao longo do curso, descompartimentação, multiplicidade de visões sobre os alunos e de estratégias de intervenção, acúmulo e partilha de experiências, etc. Ora, trabalhar em equipe é assumir o luto de sua auto­nomia e de sua loucura pessoal. É conceder aos outros, por uma boa causa e sem os mecanismos de defesa que conservam a hierarquia a distância, um direito de observar as práticas aplicadas, um direito e um dever de ingerência na sala de aula. É romper com a "lei ambienta!" dos professores: "Cada um por si; depois de fechar a porta, eu é que mando na sala e não me intrometo no que os meus colegas fazem". É enfrentar a diferença, o con­flito, os problemas de comunicação e de poder entre adultos. No entan­to, uma diferenciação eficaz tem esse preço. Todos aqueles que têm experiência de trabalho em equipe pedagógica sabem que precisam as­sumir o luto de uma forma de liberdade. É claro que também abando­nam, no melhor dos casos, os sentimentos de impotência e de solidão que os acompanham. Aqui também é inútil negar o luto. É melhor tra­balhar por aquilo que o justifique, em primeiro lugar pelos alunos, mas também pelos adultos!

o luto pelo poder magistral

Talvez esse seja o luto mais exorbitante para todos aqueles que opta­ram pelo ensino para propiciar um espetáculo permanente a um grupo, para estar sempre no centro dos acontecimentos, como maestro da orquestra, líder carismático, placa giratória (Ranjard, 1984). Talvez seja o luto mais fácil para todos aqueles que vivem o confronto com o grupo como uma ameaça ou um conflito ininterrupto, uma incerteza sempre reiniciada quanto a saber o que acontecerá com a relação de forças. Provavelmente no ponto em que o contrato pedagógico estiver mais degradado, melhor se aceitará o fato de ter de mudar de papel, de se tornar organizador, pessoa-recurso, mestre de apoio, criador de meios e seqüências didáticas geradas em parte sem o professor, oferecedor de feedbaek, negociador de contratos, inspira­dor desejos e projetos, mediador entre os alunos e outras fontes de infor­mação ou enquadramento, em vez de magister único, detentor do saber e do poder na sala de aula.

o trabalho do luto

Diferenciar é assumir o luto de uma prática antiga, e isso jamais acon­tece sem hesitações e ambivalências. Inovar, nesse sentido, significa atri­buir um status ao luto, verbalizá-Io, trabalhá-lo, declarar as resistências legítimas (Gather Thurler, 1993a) mais que apelar somente à racionalidade e à consciência profissional dos professores. Já mencionei em outra obra (Per­renoud, 1988a) a idéia de que a pedagogia de domínio é uma utopia racionalis­ta, destinada a se chocar contra os interesses e as estratégias dos atores (alunos e professores) na organização. Podemos dizer o mesmo de toda pedagogia diferenciada. E a única solução - porta estreita, caminho espinhoso - é reco­nhecer essa contradição e elaborá-la com os interessados.

Perrenoud

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