segunda-feira, 1 de março de 2010

LEITURAS


A palavra 'leitura' não remete para um conceito, e sim para um con¬junto de práticas difusas. É uma palavra de significado vago: por onde começar a examiná-la? Poderia começar-se como Sartre, em Qu'est-ce que la littérature? [1947]: o que é ler? porque se lê? Ou como Proust, no seu prefácio a Sesame and Lilies (1868) (duas conferências de Ruskin sobre a leitura), com a descrição das tardes de leitura da sua infância. Duas pers¬pectivas sobre a leitura: uma social, a outra individual, uma política, a outra ética.
Qual o ponto de vista a adoptar sobre uma palavra que tem demasia¬das formas de utilização? O da sociologia, da fisiologia, da história, da semiologia, da religião, da fenomenologia, da psicanálise, da filosofia? Cada uma das disciplinas tem uma palavra a dizer, e a leitura não é a soma des¬tas palavras. No fim do catálogo, a questão permaneceria invariável: o que é a leitura? É preciso então não ter método - há assuntos que não se podem tratar com método - e avançar a golpe de vista, instantâneo: abrir entradas na palavra, ocupá-la por meio de sondagens sucessivas e diversas, segurar muitos fios ao mesmo tempo - que, entrelaçados, tecem a trama da leitura.


Roland Barthes

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