quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

DIZER


Dizer do X (que exaspera tudo e todos desde o início do ano... professores, direcção, colegas) uma história tranquila. Aquelas de que mais gosto porque se vestem de esperança no que há-de vir. Mais uma vez fui cedo para a aula... Agora a maioria vem mesmo atrás de mim. Que não é preciso, que podem esticar o intervalo de almoço mais um bocadinho, mas quem quiser... desde que venha com espírito de aula e não de recreio... pode aparecer. Adiantamos coisas, conversamos um pouco. Começa a ser ritual. O X também veio. Pela primeira vez. Só há pouco tempo eu e o X encontrámos uma forma um pouco mais serena de conviver em aula. Mesmo no Clube era complicado... mas gradualmente fomos encontrando os fiozinhos necessários para o tempo se passar com menos zangas e mais coisas de aprender. Esses fiozinhos foram também caminhando até à aula, mas ainda não de forma completamente estável. A agitação e a fala sem controlo continuaram, embora o trabalho e organização tenham vindo a melhorar aos poucos.
Hoje entrou agitado. Mais uma vez e outra e outra... chamada de atenção. Levantou-se e veio dizer-me baixinho que tinha razão para estar eléctrico (já se habituou a uns quantos rótulos que escutou e usa-os como arma e desculpa): Sabe, professora, a minha Mãe foi operada ontem... Pois é, X, não concordo nada contigo... Não devias estar mais eléctrico... Olhos baralhados, atenção captada (ainda não tinha tocado para a entrada, estavamos no nosso tempinho "pré"). Vou contar-te uma história... Tive uma vez uma aluna que passou pelo mesmo... a Mãe estava muito doente e ela decidiu, pelo contrário, portar-se cada vez melhor e ter os melhores resultados para lhe poder dar sempre as melhores notícias e ninguém se queixar de coisa nenhuma. Sabes... Às vezes o melhor carinho que podemos fazer aos pais, sobretudo quando eles precisam de calma para recuperar, é tirar-lhes as preocupações connosco do caminho... Por isso, acho mesmo que devias fazer um esforço para dar esse miminho à tua Mãe. Ela vai precisar disso e não de mais queixas por andares... eléctrico...
As palavras pareceram ter algum efeito... Encostou a cabeça ao meu braço (como faz no Clube) e regressou ao lugar mesmo à minha frente. Ainda se agitou por mais uns minutos mas, subitamente, disse em voz alta sem aviso: prometo que me vou portar sempre bem a partir de agora... 1, 2, 3... começou agora a contar... E calou-se. Abriu o caderno. Colocou o dedo no ar (queria saber a data, a lição... que habitualmente pede várias vezes em voz alta a propósito e a despropósito, amuando se lhe chamo a atenção... agora assim já não vou escrever nada nem a data nem a lição!!!!)
E mais dedo no ar... para responder, para colocar dúvidas... Sempre silêncio, dedo no ar... dedo no ar... dedo no ar. Corpinho pequenino direito, contido, sem a habitual agitação. Aguentou hora e meia de comportamento irrepreensível, trabalhando serenamente e sempre atento e concentrado. Um exemplo para muitos numa aula que sendo viva, não é (nada) fácil.
No final da aula, depois de tocar, pedi-lhe a caderneta. Deu-ma meio intrigado, mas já adivinhando. Escrevi à Mãe (no meio de mil recados acumulados este ano queixando-se do seu comportameto em todas as aulas)... expliquei o que havia acontecido, a promessa dele, o comportamento excelente durante esta aula. Foi assim uma espécie de contrato a que procurei vinculá-lo, pois a história ficou escrita com rasgados elogios à sua conduta e com o registo do prometido. Aproveitei para desejar rápida recuperação por escrito, e reforçando oralmente ao X, porque as crianças têm vida e têm família. Todas elas. É fácil esquecermo-nos disso nesta forma de organizar o tempo da escola e dos professores, que pouco tempo deixa para respirar, escutar o outro, prestar-lhe atenção. Vórtice absurdo. A ele disse-lhe: não chega uma aula, X. Não chega ser apenas na minha aula. O esforço que fizeste hoje mostra do que és capaz. Tens de continuar a fazê-lo e vais ver como até sentirás que és tratado de outra forma... com mais paciência, mais carinho, mais atenção (da boa, por boas razões).
Despedimo-nos. Em educação não podemos ter a veleidade de achar que resolvemos os problemas todos de uma vez. Este caminho anda a ser traçado desde o primeiro dia... veremos como evolui a partir de hoje. Sem expectativa excessiva, mas registando mais um passo na estrada. Mais uma pequena conquista.


Dizer que tive tempo para adaptar uma ficha de trabalho e enviá-la, como prometi na aula aos meus meninos. Já só me faltam cinco endereços de correio electrónico e foi uma maneira de estender o contacto, uma vez que este ano corro demais e sinto uma imensa falta de tempo para aprofundar os mil caminhos que gosto de fazer com eles.

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