segunda-feira, 30 de novembro de 2009

INVESTIGAR PROBLEMAS


N.1 O conhecimento só ocorre em situações-problema.
Quando não há problemas, não pensamos, só usufruímos. Lembra-se da afirmação de Fernando Pessoa? Se nossos olhos são bons, nem sequer nos lembramos disso: gastamos nossas energias usufruindo o que vemos. Não nos lembramos de sapatos confortáveis, mas eles se tornam o centro da nossa atenção quando apertam um calo. Pensamos quando nossa acção foi interrompida. O pensamento é, em seu momento inicial, uma tomada de consciência de que a acção foi interrompida: este é o problema. Tudo o que se segue tem por objectivo a resolução do pro¬blema, para que a acção continue como antes.
“(...) coisa alguma, em si mesma, se constitui como problema ou descoberta; ela pode ser um problema somente se produz perplexidade e incómodo a alguém, e será uma descoberta se aliviar alguém do peso do problema” (Michael Polanyi, op. cit., p. 122).
“O indivíduo pensa somente para continuar a acção interrompida” (G. H. Mead, On Social Psychology, p. 324).
“Todo conhecimento tem uma finalidade. Saber por saber, por mais que se diga em contrário, não passa de um contra-senso” (Miguel de Unamuno, O sentimento trágico da vida, p. 28).

A primeira tarefa que se impõe, portanto, é ver o problema com clareza.
Em ciência, como no senso comum, existe uma estreita relação entre ver com clareza e dizer com clareza. Quem não diz com clareza não está vendo com clareza. Dizer com clareza é a marca do entendimento, da compreensão.
Enunciar com clareza o problema é indicar, antes de mais nada, de que partes ele se compõe. É a este procedimento que se dá o nome de análise. O mecânico que desmonta o motor está envolvido em análise: separando cada e todas as partes, uma a uma. O jogador de xadrez que examina sua situação estratégica está envolvido em análise: ele deve tomar ciência de cada e todas as implicações da sua situação. Se possível, represente o problema de forma gráfica. O desenho revela relações que permanecem escondidas na escrita e na fala.

“É tolo tentar responder uma questão que você não entende. É triste ter de trabalhar para um fim que você não deseja. Coisas tristes e tolas como estas frequentemente acontecem, dentro e fora da escola, mas o professor deve evitar que ocorram em classe. O estudante deve entender o problema. Mas não basta que ele o entenda. É necessário que ele deseje sua solução” (G. Polya, How to Solve it, p. 6).

O.1 Por onde se começa a solução de um problema?
Imagine que você é um escoteiro e se perdeu numa floresta.
Seu problema é voltar ao acampamento. Qual seria seu procedimento?
O que significa encontrar a solução para o problema?
A solução é o caminho que o levará de onde você está ao lugar onde você deseja ir. Imagine que você não sabe para onde ir: não poderá fazer nada inteligente. Gritará, chorará, andará a esmo. O procedimento inteligente é o seguinte: pegue seu mapa, identifique o ponto para onde ir, o ponto onde você se encontra e, a partir do primeiro, trace um caminho. A inteligência segue o caminho inverso da acção. E é somente isso que a torna inteligência. Começando do ponto ao qual se deseja chegar, evita-se o comportamento errático e desordenado a que se dá o nome de “tentativa e erro”.
“O sábio começa no fim; o tolo termina no começo” (id., ibid., p. 223).
Os dados conhecidos me dão os tijolos para construir a casa. Mas eu não construirei casa alguma se não organizar os tijolos segundo a imagem de uma entidade ainda inexistente: a casa. Daí o conselho: comece do desconhecido, do ponto aonde você quer chegar. O matemático Polya, já citado, acha que esta é a questão mais importante a ser levantada.
“O professor, para ajudar o estudante de forma efectiva, e sem atrapalhar sua iniciativa individual, deve levantar as mesmas perguntas e indicar os mesmos passos, uma vez atrás da outra. Assim, em problemas inumeráveis temos de levantar a questão: o que é o desconhecido? Podemos variar as palavras e perguntar a mesma coisa de formas diferentes: o que é necessário e exigido? O que é que você quer encontrar? O que é que você deve procurar? O objectivo dessas perguntas é fazer com que o estudante focalize sua atenção no desconhecido...” (id., ibid., pp. 1-2).
P.1 Sei que esta proposta de começar pelo fim pode parecer meio estranha.
Você poderá estar raciocinando da seguinte maneira:
1. O fim é o ponto ao qual desejo chegar.
2. Se ainda não cheguei lá, não posso saber como o fim será.
3. Como posso, portanto, começar do fim?
Você está resolvendo um quebra-cabeças. Há uma peça faltando. Será que você não pode e deve construí-la, pela imaginação? A forma da peça será o encaixe positivo daquelas que já estão prontas. Sua cor deverá ser a continua¬ção das cores ao seu redor. Por este processo você construiu mentalmente a peça, e é somente em decorrência deste fato, isto é, de você haver pensado o fim, que você poderá procurar a peça que está faltando.


Filosofia da Ciência - O jogo e as suas regras (edições ASA)

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