quarta-feira, 31 de março de 2010

EMOÇÕES E APRENDIZAGEM


Faça uma pausa para recordar a sua experiência escolar mais memorável. Tradicionalmente, quando se pede a um grupo de adultos para o fazer, metade contará uma história engraçada enquanto os restantes descreverão uma experiência negativa, humilhante ou assustadora. Quer seja positiva ou negativa, todas as experiências memoráveis partilhadas estarão carregadas de emoções. As nossas memórias mais fortes estão carregadas de emoções. Quando pensou na sua própria experiência escolar, essas emoções originais poderão ter sido reavivadas desencadeando um sorriso ou um franzir de olhos. Como as memórias estão tão intimamente ligadas às emoções recai sobre os professores uma pesada responsabilidade; todos os dias evocam emoções e moldam memórias nos seus alunos.

domingo, 28 de março de 2010

Pedagogia da Casa do Gaiato


Ora vejam como o Padre Júlio, director da Casa do Gaiato de Paços de Sousa, sabe como educar as crianças cujos pais não podem ou não são capazes de se responsabilizarem por eles:
Dentro da Casa do Gaiato já houve escolas, mas, hoje, apenas restam as oficinas: uma carpintaria, uma serralharia e uma tipografia para formar os gaiatos num ofício e para criar hábitos de trabalho. É graças a elas que surge uma das fontes de receita. A outra são as ajudas. "Não temos nenhum acordo com o Estado, mas temos as pessoas. O povo conhece a obra, comprende-a, ama-a e ajuda-a."
Há não muito tempo, houve uma "quase imposição" de equipas de técnicos às Casas, mas a experiência não foi bem sucedida. "Verificámos que isso destruiria a nossa maneira de ser. Deixaria de ser os pais, as mães e os rapazes: a família. Passavam a ser pessoas desenraizadas do nosso modelo a impor as suas técnicas". Ali faz-se como em qualquer outra família: se algum jovem necessita de um especialista levam-no à consulta. "As famílias também não têm técnicos em casa", justifica. Fonte: JN de 28/3/2020
É claro que a Segurança Social - sempre pronta a ditar sentenças sobre como se deve educar e sempre ágil a controlar política e tecnicamente todas as instituições que se deixam agarrar pelo totalitarismo de pendor socialista que ela veicula - não podia gostar da pedagogia perene, humanista e realista das Casas do Gaiato. O Padre Júlio não lamenta, antes agradece, a falta de apoio da Segurança Social.
E reparem na sabedoria do Padre Júlio, quando ele diz que não é bom os psicólogos e terapeutas estarem dentro da escola. Diz ele: "quando algum jovem necessita de um especialista levam-no à consulta; as famílias também não têm técnicos em casa".
As escolas públicas têm muito a aprender com a Pedagogia das Casas do Gaiato. Simplicidade, humanismo, responsabilização, amor, trabalho e respeito pelos professores e pelas tradições nunca fizeram mal à educação de ninguém. Antes pelo contrário...

PROBLEMÁTICO


Problemático - Um bairro problemático não é, como se poderia pensar, um espaço cujas casas têm problemas nos alicerces ou nos telhados, mas sim um conjunto habitacional que, regra geral, saiu muito mais caro do que o previsto, foi inaugurado por detentores de cargos políticos que discursaram sobre o esforço necessário à concretização daquele projecto e cujos residentes tiveram acesso a essas casas em condições muito favoráveis. Um bairro torna-se problemático quando, após a festa da inauguração, volta a ser notícia por ali se tolerarem situações que nos outros bairros e ruas deste país são consideradas crime. Assistentes sociais, ONG e muitos gabinetes municipais fazem o enquadramento nestes bairros e as soluções propostas passam sempre por pedir mais assistentes sociais, mais dinheiro para as ONG e mais gabinetes municipais agora dotados da novel figura do mediador cultural, para assim continuarem a fazer o acompanhamento dos bairros problemáticos, que, por sua vez, se desdobram em escolas problemáticas e famílias problemáticas. Política e profissionalmente, o problemático é um território de grandes oportunidades para gente com ambições.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Como (não) forjar deliquentes


1. Comece, desde a infância, dando ao seu filho tudo o que ele pede. Assim crescerá convencido de que o mundo inteiro lhe pertence.
2. Não lhe dê qualquer educação moral. Espere que chegue à maioridade para que possa decidir livremente.
3. Quando disser palavrões, ria-se. Isto o animará a fazer coisas ainda mais "graciosas".
4. Não o contrarie nunca, nem lhe diga que está mal algo que faça. Poderia criar-lhe um complexo de culpa.
5. Arrume tudo o que ele deixa espalhado: livros, sapatos, roupa, brinquedos. Assim se acostumará a atirar a responsabilidade para os outros.
6. Deixe-o ler tudo o que lhe caia nas mãos e ver todos os programas de televisão e navegar na net sem fazer a minha ideia por onde "viaja". Cuide de que os seus utensílios - pratos, talheres....- estão bem esterelizados. Porém, deixe que a sua mente se carregue de lixo. Assim aprenderá a considerar valioso o que só é porcaria.
7. Discuta e critique o seu par em sua presença. Assim, não ficará surpreendido nem sofrerá demasiado quando a sua família ficar para sempre destroçada.
8. Dê-lhe todo o dinheiro que quiser gastar, não vá ele suspeitar que para dispor de dinheiro é necessário esforçar-se e trabalhar.
9. Satisfaça todos os seus desejos, apetites, comodidades e prazeres. O sacrifício e a austeridade poderiam produzir frustrações.
10. Ponha-se ao seu lado em qualquer conflito que tenha com os seus professores, vizinhos e amigos. Pense que todos eles têm preconceitos contra o seu filho e que de verdade querem aborrecê-lo.

segunda-feira, 8 de março de 2010

PROFESSORES SIGNIFICATIVOS


Professores que Marcam

As pessoas apaixonadas são as que fazem a diferença nas nossas vidas.
Graças à intensidade das suas convicções e das suas acções, são elas que estabelecem uma ligação com o sentido de valor que se encontra dentro (e para além) de nós próprios. Por vezes, a paixão vai ardendo com uma intensidade calma e refinada, mas,
noutros momentos, ruge como um trovão e com eloquência. Mas, qualquer que seja a forma como emerge a paixão do professor, os alunos sabem que estão na presença de alguém cuja devoção para a aprendizagem é excepcional. Mesmo quando essa devoção tem uma intensidade que pode fazer com que os alunos se sintam desconfortáveis, eles continuam a saber que é algo importante e é o que faz com um professor se torne inesquecível” (Fried, 1995, in Day, 2004a:34).
(...)
SegundoDay (2004b), outras vertentes estão naturalmente comprometidas com o carácter moraldo professor, que Sockett (1993), associa a cinco virtudes no trabalho docente:
(a) “A honestidade” visa o interesse pela verdade, pelas suas convicções, enquanto professor e a criação de um ambiente em que o aluno se sinta seguro;
(b) “A coragem” refere-se ao uso da razão prática e à capacidade de ser “fiel aos seus princípios”; (c) “O cuidado” aponta para o facto de o docente ser capaz de demonstrar os seus sentimentos e emoções sem receios e levar os alunos a interessarem-se pelo que aprendem;
(d) “A justiça” alude para o tempo dedicado a cada aluno, para a imposição da disciplina e para a garantia de justiça enquanto membro da comunidade escolar;
(e) “O conhecimento prático” que tende para a combinação das outras quatro virtudes bem como a qualidade da reflexão e do julgamento que permite ao “professor saber o que fazer, quando e porquê” (in Day, 2004b:52 e 53).
Assim, a natureza do trabalho docente envolve o cuidado e a compaixão (características substantivas do professor) no estabelecimento de uma relação com alunos e colegas, logo, é impossível e indesejável separar o lado profissional e o pessoal
(Day, 2004b).

(...)

Concluiu-se então que os professores que motivam os alunos para a aprendizagem apresentavam um leque de características que passamos a descrever: (a) “gostam de ensinar a disciplina”; (b) “gostam de ensinar os alunos”; (c) “tornam as aulas interessantes e ligam-nas ao dia-a-dia”; (d) “sabem rir, mas também manter a ordem”; (e) “são justos”; (f) “são acessíveis”; (g) “não gritam”; (h) “não dão sermões”; (i) “explicam a matéria e revêem o que os alunos não entendem, sem que se sintam humilhados” e (j) “não desistem dos alunos” (Rudduck, 1997, in Day, 2001:43).
Podemos, assim, constatar que estes dados atestam estudos anteriores sobre a experiência dos alunos nas instituições escolares, sendo que para estes a “boadisposição”, o “bom feitio” e o “sentido de humor” são características cruciais de um bom professor (Taylor, 1962, in Day, 2001:43), não descurando que o bom professor deverá ser “firme” e ao mesmo tempo “justo”, demonstrando ainda um vasto conhecimento da disciplina que lecciona, bem como ser capaz de contornar situações difíceis e torná-las mais claras, mantendo sempre uma imagem prestável, encorajadora, interessada e disponível (Hargreaves, 1972; Nash, 1976; Gannaway, 1976; in Day,
2001:43). Dentro desta linha de pensamento, Flores (2004:266) sugere ainda outras características de um “bom” professor: o “cuidado”, o “compromisso” e o “entusiasmo”. Goodson (2000) caracteriza como excelente professor aquele que é “popular”, “aberto”, “bem-humorado”, “fascinante” e “motivador”.
In Lapo, Maria João (2007). Professores que marcam a diferença. Lisboa:UCP (dissertação de mestrado, polic))

quarta-feira, 3 de março de 2010

EDUCAÇÃO E CAVALO DE TRÓIA


O que acontece no dia em que um professor começa a dizer regu¬larmente "O dia hoje correu bem", enquanto um terço dos seus alu¬nos não tem nenhuma vontade de ir às aulas nem aprende grande coisa? Se ele não se aperceber desta situação ou estiver convencido de que o fracasso é uma fatalidade, nada o espicaçará a colocar-se novas perguntas. Daqui se conclui a importância de construir, na formação inicial, uma identidade e uma postura reflexivas, que esti¬mulem a mudança para lá da procura de um regime de velocidade cruzeiro.

Se esta identidade e esta postura estiverem ausentes, nem ofertas de formação continua, nem dispositivos de acompanhamento, nem projectos de escola terão efeitos. Não basta multiplicar os recursos e as oportunidades de formação. Sabe-se bem que as práticas docen¬tes de que os alunos tiram mais proveito não provêm das formações contínuas. O paradoxo é conhecido: os que deveriam mudar são também aqueles cujos mecanismos de defesa são mais eficazes. Dei¬xam andar ou ridicularizam os que frequentam sem cessar a forma¬ção continua, que trabalham em equipa, que frequentam um grupo de análise de práticas, que estão no coração do projecto de escola ou que escolhem ensinar em zonas menos favorecidas.
Uma parte dos professores são fortalezas bem defendidas. Alguns escondem práticas absolutamente equitativas e eficazes, forjadas por uma marcha solitária. O que fazer quando as práticas de um profes¬sor encerrado na sua fortaleza são indefensáveis? É inútil alimentar
grandes esperanças na repressão, mas é igualmente ilusório conten¬tar-se com a multiplicação dos recursos de formação. Será necessá¬rio, de uma maneira ou de outra, encontrar um Cavalo de Tróia.

segunda-feira, 1 de março de 2010

LEITURAS


A palavra 'leitura' não remete para um conceito, e sim para um con¬junto de práticas difusas. É uma palavra de significado vago: por onde começar a examiná-la? Poderia começar-se como Sartre, em Qu'est-ce que la littérature? [1947]: o que é ler? porque se lê? Ou como Proust, no seu prefácio a Sesame and Lilies (1868) (duas conferências de Ruskin sobre a leitura), com a descrição das tardes de leitura da sua infância. Duas pers¬pectivas sobre a leitura: uma social, a outra individual, uma política, a outra ética.
Qual o ponto de vista a adoptar sobre uma palavra que tem demasia¬das formas de utilização? O da sociologia, da fisiologia, da história, da semiologia, da religião, da fenomenologia, da psicanálise, da filosofia? Cada uma das disciplinas tem uma palavra a dizer, e a leitura não é a soma des¬tas palavras. No fim do catálogo, a questão permaneceria invariável: o que é a leitura? É preciso então não ter método - há assuntos que não se podem tratar com método - e avançar a golpe de vista, instantâneo: abrir entradas na palavra, ocupá-la por meio de sondagens sucessivas e diversas, segurar muitos fios ao mesmo tempo - que, entrelaçados, tecem a trama da leitura.


Roland Barthes