quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
Aprender, experiência de comunicação
Aprender é uma experiência de encontro e de comunicação, sem a qual não há nem autonomia nem crescimento. Aprender é colocar em interacção o estranho e o familiar e a escola uma forma de se encontrar um método para aprender sobre a vida. Todo o conhecimento acaba, de alguma forma, por ser autobiográfico.
Assim escreve Eduardo Sá revisitando o pensamento de João dos Santos (Revista Portuguesa de Pedagogia, 39, 3, 2005, 341-355). Para nos lembrar que dificilmente aprendemos sozinhos. Para nos recordar que a aprendizagem é um processo pessoal que tem na vida (e na morte) referência, princípio e fim. Para nos ensinar que se quisermos fazer aprender teremos de tentar estabelecer laços, de tentar descobrir as ancoragens possíveis para o que queremos ensinar, de ligar o conhecido ao desconhecido. De fazer nascer a sede.
De facto, eu aprendo se conseguir ver o sentido do que me é proposto ou está ao meu alcance. Eu aprendo se sentir que há um desafio que me estimula e gratifica. Eu aprendo se a minha vida ficar mais útil, se a minha acção (pessoal, social e profissional) puder ser melhor em termos de estima, estímulo, reconhecimento.
A nossa vida é pois fonte primeira da aprendizagem. Por isso, todo o conhecimento é, de alguma forma, autobiográfico. E é a esta luz (que quase cega) que teremos de interpretar e compreender muitas recusas de aprendizagem. Eu bem lhes digo, mas eles não se interessam; eu desço o nível e eles nem assim adquirem os conhecimentos. Eu bem… Difícil desafio, este. Às vezes, mesmo impossível. Mas nunca absurdo.
Aprender é uma experiência de gratificação
sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
NATAL
Enganam-se os que pensam
que só nascemos uma vez.
Para quem quiser ver
a vida está cheia de nascimentos.
Nascemos muitas vezes ao longo da infância
quando os olhos se abrem em espanto e alegria.
Nascemos nas viagens sem mapa
que a juventude arrisca.
Nascemos na sementeira da vida adulta,
entre invernos e primaveras,
maturando a misteriosa transformação
que coloca na haste a flor e,
dentro da flor, o perfume do fruto.
Nascemos muitas vezes naquela idade
onde os trabalhos não cessam,
mas reconciliam-se com laços interiores
e caminhos adiados.
Enganam-se os que pensam
que só nascemos uma vez.
Nascemos quando nos descobrimos
amados e capazes de amar.
Nascemos no entusiasmo do riso
e na noite de algumas lágrimas.
Nascemos na prece e no dom.
Nascemos no perdão e no confronto.
Nascemos em silêncio
ou iluminados por uma palavra.
Nascemos na tarefa e na partilha.
Nascemos nos gestos ou para lá dos gestos.
Nascemos dentro de nós e no coração da Vida.
José Tolentino Mendonça
sábado, 19 de dezembro de 2009
AUTORIDADE
A palavra autoridade provém do verbo latino auctor, augere que significa fazer crescer. Tem autoridade a pessoa que
ajuda a crescer. Que faz crescer o respeito, o amor ao próximo, a coerência, o saber, a sabedoria, o exemplo. Que faz crescer a tolerância, a cooperação e a entreajuda. Uns têm autoridade. Agem para guiar, libertar, emancipar as pessoas
e as organizações de tutelas estúpidas. Agem para se tornarem dispensáveis. E é esta a missão maior do professor, a missão mais nobre e imprescindível. Uns têm autoridade. Outros têm apenas poder. O poder de mandar, de afirmar o seu estatuto, de destruir, de manipular, guerrear.
É, pois, preciso reclamar a autoritas para as escolas, para os professores, para os pais. Criar dispositivos que a façam emergir, que a reconheçam e valorizem. Aprender o ofício e o exercício de ser uma autoridade. Que é reconhecida pelo seu saber (no limite, pela sua sapiência), pelo seu exemplo, pela sua dedicação ao próximo.
A autoridade é pois a essência do ser professor. Quem não exerce autoridade sobre os seus alunos não tem condições
de ser professor. E quantas vezes ela é ameaçada pelo alheamento e pelo desinteresse, pela balbúrdia e pela desordem.
Quantas vezes sabemos e sentimo-nos não estando a ser professores, não por défice de saber, mas por défice de condições de exercício de autoridade.
Esta é uma batalha decisiva em que todos somos chamados a participar. Ajudando-nos uns aos outros. Com os laços do
saber e da experiência. Com uma palavra, um olhar, um silêncio. Precisamos, como do pão para a boca, de uma comunidade, de ideias, de valores, de afectos.
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Analfabetismo Afectivo
É um síndrome crescente. É um direito quase clandestino. Não consta dos tratados e catálogos internacionais. Fugazmente aparece nos tratados pedagógicos. Sobrevive nalguns olhares, gestos, palavras.
Vivemos num mundo que parece, muitas vezes, um campo de batalha em que só há lugar para os vencedores. (Quem escreverá a história dos vencidos?) Existimos, muito mais para fazer o outro perder, do que para ganharmos. O jogo de soma positiva, em que todos podemos e devemos ganhar, parece arredado das nossas preocupações essenciais. Sofremos o síndrome do analfabetismo afectivo.
Na tradição ocidental, vivemos a dualidade dificilmente conjugável da cognição e do afecto. No espaço público só há direito para o triunfo da razão. A ternura que acaricia, que liberta, que protege, que acalenta só raramente ocupa o palco das nossas relações sociais.
E na relação pedagógica, na sala de aula, teremos de criar pequenas ilhas de ternura. Pequenos momentos de ternura e afecto. De compreensão. De compaixão. De humanidade. Porque há um grande défice sentimental. E é (também) por isso que a solidão cresce. Que a revolta lateja. Que mais de um terço das jovens já tomou a pílula do dia seguinte. E bem sei também quão difícil é a fronteira entre a proximidade e a distancia.
Bem sei que nenhuma reforma passa por aqui. Só uma consciência acesa de ser profissional. Dedicado. Atento. Disponível. Exigente. Felizmente como muitos daquelas professoras e professores que me lêem neste espaço público. E sentem que a vida tem de passar por aqui.
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