terça-feira, 6 de janeiro de 2009
Profecias que se auto-realizam
Porque é que aquilo que previu, muitas vezes se realiza?
Um sketch de Raymond Devos começa assim: “Há oito dias, li no meu horóscopo: discussão e discórdia em casa. Fui ter com a minha mulher e perguntei-lhe: ‘O que é que eu te fiz?' Ela respondeu: ‘Nada’; e eu disse-lhe: ‘Então porque é que estás a discutir?’ E depois ficámos zangados. Hoje de manhã li no meu horóscopo: risco de acidente. Então, durante todo o dia, ao volante de meu carro, fiquei assim!... A vigiar à direita e à esquerda… nada… nada… Disse de mim para comigo: ‘Se calhar enganei-me’… Bastou o tempo suficiente para verificar no jornal que tinha no assento do passageiro e… pumba… já está. O condutor saiu do carro… e disse-me: ‘ Podia ter evitado o meu carro…’ Respondi-lhe: ‘De forma alguma, estava previsto, o acidente já vem no jornal…”.
Este sketch é divertido pois mostra de que forma as nossas crenças e os nossos conhecimentos errados podem levar-nos a comportarmo-nos de uma forma tal que as nossas crenças ficam então confirmadas de seguida. Os investigadores chamaram a este mecanismo: as profecias que se auto-realizam. De acordo com esta teoria, as nossas expectativas levam-nos frequentemente a provocar, sem o sabermos, as situações nas quais acreditamos. Estas situações reforçarão, então, as nossas expectativas anteriores.
Voltamos a encontrar as “profecias que se auto-realizam” na corrida dos países ao armamento. Os Estados Unidos esperaram que a URSS se mostrasse hostil e ameaçadora para eles. Decidiram, portanto, aumentar a quantidade de mísseis. A URSS, por sua vez, interpretou este acontecimento como uma ameaça para a sua segurança e tomou a decisão da aumentar o seu armamento. Os Estados Unidos traduziram esta reacção como uma confirmação daquilo que pensaram de início (este exemplo funciona igualmente se começarmos pela URSS).
Outro exemplo: é um homem e pensa que a rapariga que tem ao telefone é muito bonita. Comportar-se-á, certamente, de forma muito mais amistosa e calorosa do que se lhe tivessem dito que aquela pessoa não tinha graça nenhuma. A sua atitude provocará muito mais retorno de comportamentos amistosos e sociáveis da parte da sua interlocutora. Isto poderia confirmar a sua primeira ideia de que é um grande sedutor ou ainda de que, decididamente, tinha razão em pensar que as mulheres belas são muito mais simpáticas do que as feias.
Assim, mesmo que estejam erradas, as crenças que se tem relativamente a um indivíduo com o qual se interage podem influenciar o seu comportamento.
Foi o que demonstrou um investigador (Snyder, 1984, 1992). Numa das suas investigações apresentava, sob um pretexto qualquer, a estudantes a fotografia de uma pessoa com a qual deviam entrar em contacto telefónico. A fotografia representava tanto uma pessoa obesa como uma de peso normal. Era pedido aos sujeitos que construíssem uma opinião sobre o indivíduo da fotografia a partir da entrevista telefónica.
Convém mencionar que, na população estudada (estudantes americanos), os sujeitos associavam frequentemente a obesidade a características desagradáveis e negativas. Não é, portanto, surpreendente que os resultados tenham mostrado que, após o telefonema, as mulheres que pensavam estar a conversar com uma pessoa obesa tinham uma impressão muito mais desfavorável sobre o seu interlocutor do que aquelas que julgavam estar a conversar com uma pessoa de peso normal. De igual modo, comportaram-se de uma forma muito mais desagradável. Consequentemente, a pessoa que estava do outro lado do fio reagiu de maneira negativa, confirmando, assim, as crenças iniciais dos sujeitos, a saber, que as pessoas gordas são pessoas desagradáveis.
Estas profecias aparecem em muitas situações…
Jamieson e colegas (1987) realizaram uma investigação no terreno na qual apresentaram um novo professor aos alunos no início do ano. Numa turma, os investigadores explicaram que este novo professor era uma pessoa muito competente e muito inteligente. Numa outra condição, não era dito nada às crianças (grupo de controlo).
Os investigadores observaram o comportamento dos alunos sem que estes se apercebessem e, algumas semanas depois, puderam estabelecer o balanço seguinte: em comparação com o grupo de controlo, os alunos que tinham a expectativa de ter um professor competente tiveram melhores notas e avaliaram o professor como sendo o mais competente da escola. Os investigadores notaram também que havia menos falatório nessa turma e que as crianças estavam mais atentas às aulas do que na outra condição. Podemos dizer que as expectativas dos alunos respeitantes ao novo professor afectaram os resultados escolares…
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