quarta-feira, 27 de abril de 2011

"Mcdonalização" da sociedade e da educação


Perdoem-me o terrível neologismo do título, já que irá servir de eixo destas reflexões. Utilizo o termo "mcdonaldização" para falar de um fenómeno social que poderia estar representado na cadeia de restaurantes de comida rápida que todo o mundo conhece e que foi fundada pelos irmãos McDonald, na Califórnia, no ano de 1937. Em 1961, fundaram o primeiro centro especializado na formação para este tipo de negócios, denominado Universidade do Hambúrguer (que oferecia uma licenciatura em hamburguerologia).

A "mcdonaldização" afecta a comida, mas (entendida como uma maneira de organizar a sociedade) também diz respeito à informação, às relações, ao comércio, ao sexo, às viagens (uma visita organizada a Paris incluirá, seguramente, o Louvre, mas provavelmente não o museu Rodin), ao ensino (pense-se na aplicação de provas objectivas que se corrigem mediante máquinas) ... Alguém denominou um esta­belecimento comercial de três andares dedicado, em Nova Iorque, à pornografia de "O McDonald do sexo". As grandes superfícies comer­ciais são lugares de passeio. Os centros comerciais são as novas gran­des avenidas das nossas cidades. Estaremos a "superficializar" a vida?

Porquê o triunfo irresistível da "mcdonaldização"? Que caracte­rísticas tem? Remeto-me para a obra de George Ritzer, da qual me servi para intitular estas linhas. Em primeiro lugar, McDonald oferece eficácia. Em poucos minutos, passamos de um estado de necessi­dade a outro de satisfação. Sucederá, igualmente, com o sexo, com a mudança de óleo, a graduação dos óculos, o emagrecimento ou a declaração de rendimentos. Numa sociedade que marcha a um ritmo
acelerado, a rapidez na satisfação das necessidades converte-se em algo muito atractivo. Numa sociedade tão dinâmica, na qual nos achamos em movimento contínuo, em que pegamos no carro para percorrer 300 metros, a eficácia da comida rápida, sem por vezes se sair do carro (como acontece nos drive-in e nos drive-through), tem um grande êxito. Falamos enquanto comemos, enquanto conduzi­mos, enquanto caminhamos com o telemóvel pregado à orelha, compomos a nossa salada com os ingredientes do expositor, ser­vimo-nos da gasolina como se fossemos empregados da gasolineira e fazemos de bancários sem salário para retirar do banco o nosso di­nheiro ...

Em segundo lugar, o McDonald oferece-nos uma alimentação quantificada e valorizada. Parece que, quando pedimos o hambúr­guer de tamanho grande, a bebida no copo maior, estamos a fazer um bom negócio. Não pensamos que quem o faz é o vendedor. A bebida tem muito gelo, a saca de batatas está abaulada até cima e a embalagem grande está desenhada para que as batatas sobressaiam, o pão é grande para que o hambúrguer pareça maior ...

Em terceiro lugar, o McDonald poupa tempo. Comer num res­taurante de comida rápida permite-nos dispor de mais tempo do que se fôssemos a casa ou a um restaurante de outro tipo. O reino má­gico dos alimentos que se podem comer com as mãos poupa um tempo valiosíssimo. A Pizza Hut serve o nosso pedido em cinco mi­nutos, se assim não for, a entrega é grátis.

Em quarto lugar, o McDonald oferece-nos aquilo que é previsí­vel. Não há surpresas. O hambúrguer que comemos em Málaga é o mesmo que comeremos em Moscovo, Chicago ou Paris. A repetição da cor e do símbolo, cidade atrás de cidade, garantem-no. Também sabemos que o menu que pedimos o mês passado será o mesmo que nos oferecerão amanhã. Para isso existem inspectores que ga­rantem a uniformidade através do cumprimento das normas. Em 1958, publicou-se um manual em que se especificava a grossura com que se deveriam cortar as batatas e o número de rodelas de cebola (exactamente trinta e duas) que se tinha que colocar, em cada ham­búrguer, por cada libra de queijo. Sabemos que o que nos oferecem não será maravilhoso, mas também não será horroroso. Parece que preferimos um mundo sem surpresas.

Em quinto lugar, o McDonald oferece um serviço em que tudo está controlado e automatizado. O número de acções que os empre­gados de um McDonald realiza está praticamente mecanizado. Um empregado distraído, lento ou indisciplinado pode gerar um desas­tre. A tecnologia controla tudo. E até os clientes: linhas no chão, menus limitados, pagamento automático, assentos incómodos. Tudo isso faz com que o utilizador faça tudo aquilo que se desenhou. O resultado oferece aos clientes uma grande segurança a respeito do produto que terão e ao tratamento que irão receber.

Tudo parece muito racional. Ora, esta pretensa racionalidade conduz à irracionalização. Significa que os sistemas assim racionali­zados servem para negar a razão humana, para nos desumanizar. O problema radica no facto de que quem exerce a crítica nunca tem os mesmos meios económicas dos que organizam a propaganda.

O restaurante de comida rápida é, amiúde, um lugar desumani­zado em que se come e trabalha. As pessoas que formam fila ou que trabalham por trás do balcão parecem estar metidas numa linha de montagem. Convertemo-nos em peças de uma maquinaria gigante. Governada por quem? O restaurante de comida rápida converte-te num trabalhador sem salário. Tens que fazer fila, pedir o que dese­jas, pagar, levar a bandeja para a tua mesa, retirar a bandeja e deitar ao lixo os desperdícios ... E sentes-te assediado pelos que olham para ti com olhos assassinos porque já terminaste e continuas a falar tranquilamente. Não vais lá para comer, vais para encher o depósito.

O restaurante de comida rápida destrói a intimidade. Enquanto fazes o teu pedido, ouves, através dos altifalantes, como todos os que assistiam se inteiraram do que pediste. O que pensarão de ti se dizes quero o hambúrguer muito passado, com pouca cebola e o pão mais tostado? Nos restaurantes de comida rápida servem-se alimentos com elevado conteúdo calórico, de gorduras, colesterol, sal e açúcar. As relações interpessoais tornam-se estereotipadas. A comunicação desa­parece. Alguém fica com um amigo para tagarelar enquanto comem um McDonald? As relações entre cliente e trabalhadores são estereoti­padas. A regra número 17 dos empregados do Burger King diz: "Sor­ria continuamente".

Ronald Takaki dizia que estes estabelecimentos racionalizados são lugares nos quais "a personalidade se limita, as emoções se con­trolam e o espírito se subjuga". Encontramo-nos perante a máquina de alimentação. Não se pode pedir nada de especial. Todos temos que escolher dentro de um menu com muito poucas opções. O anúncio de comida rápida que costuma rezar: "Fazemo-lo à sua ma­neira" lembra uma das declarações mais famosas de Henry Ford:
"Qualquer cliente pode dispor de um carro pintado de qualquer cor desde que esta seja preto".

Porquê esta crítica à "mcdonaldização"? Não por um retorno nostálgico a um passado que não voltará, mas porque reivindico um futuro com pessoas mais livres, mais criativas, mais reflexivas, mais hábeis do que as que hoje somos. Não porque resisto a aceitar os avanços da técnica, mas porque gostaria que fôssemos educados para a dominar e não para sermos dóceis em relação a ela ... A tira­nia do relógio, da programação, do estabelecido faz-me lembrar aquele professor que se encontra com um grupo de crianças entu­siasmadas com o exame de uma tartaruga e a quem exige que se es­queçam dela porque é hora da aula de ciências e nesse dia é vez de estudar os caranguejos.

Quero viver num lugar onde seja permitido sair da fila.



Santos Guerra, Miguel (2003). No Coração da Escola. Porto: ASA


Eu também quero viver num lugar em que seja permitido sair da fila. Em que possamos ser autores e criadores. Em que possamos ser, também no estar.

domingo, 24 de abril de 2011

10 MEDIDAS PARA REFORMAR O SISTEMA EDUCATIVO


A sociedade atual exige um novo paradigma educativo, uma nova maneira de pensar a aquisição do saber, uma nova forma de ensinar, de aprender e de educar.
Num contexto de uma profunda transformação do modelo do Estado Social e de sustentabilidade das finanças públicas, perspetiva-se um futuro em que o Ministério da Educação, mais preocupado com os cidadãos e menos com as estruturas, terá apenas funções gerais de regulação, procurando garantir o acesso de todos os jovens a uma educação sustentável e de qualidade.
Mas para atingir níveis elevados de bem-estar, a sociedade precisa de elevar o conhecimento de todos os cidadãos e não apenas o dos mais jovens. Não faz sentido falar separadamente de educação e de formação, nem separar a escolaridade da formação contínua. A escola, por si só, pouco poderá fazer se a família não se assumir como parceiro verdadeiramente capacitado na educação dos seus filhos.
1.ª Meta ― Capacitar as famílias e aumentar o seu grau de exigência, harmonizando o sistema educação/formação com outros subsistemas sociais, relacionados com a saúde e sexualidade, integração e segurança social, desporto…
À escola tem sido pedido que, além de ensinar as ciências e as artes, promova o ensino/aprendizagem da literacia social: educação sexual, ambiental, emocional, prevenção rodoviária, multiculturalismo, questões de género e educação para a cidadania. Parece haver um reconhecimento implícito da falência da maior parte das instituições sociais e, por isso, pretende-se que a escola seja família, igreja, local de diversão, de socialização e de ocupação.
2.ª Meta ― Definir claramente o que à escola compete (O que é? Para que serve?) e remeter para as outras instituições, a começar pela família, tudo o que à escola não diga diretamente respeito. Embora seja um locus de socialização a escola é, por natureza, uma instituição educativa que promove aprendizagens tendo em vista um futuro sustentável e que está ao serviço dos que querem aprender.
Aos alunos, futuros membros desta sociedade cada vez mais complexa, a escola começa já a exigir a aprendizagem de múltiplas competências: domínio de línguas estrangeiras, resolução de problemas, clareza e lucidez na argumentação, identificação de oportunidades, gosto pelo risco calculado, trabalho em equipa, aprendizagem autónoma (auto-orientação, autossuficiência, técnicas de e-learning…).
3.ª Meta ― Reestruturar profundamente o sistema educativo, alterando os curricula de forma a contemplar os conhecimentos e as competências da sociedade do futuro mas sem esquecer que o conhecimento é a base da sabedoria.
Ao formular-se mais explicitamente os objetivos da formação, luta-se contra a tentação da escola de ensinar por ensinar, de marginalizar as referências às situações da vida e de não reservar tempo para treinar a mobilização dos saberes para situações complexas. Isto exige tempo, muita reflexão e trabalho colaborativo por parte dos professores no sentido de serem criadas as experiências de aprendizagem apropriadas.
4.ª Meta ― Alterar o paradigma da formação docente assumido pela generalidade dos Centros de Formação (formação à la carte), substituindo-o por outro em que os professores centrem a sua ação no ato de aprendizagem dos seus alunos.
Numa sociedade em mudança profunda, apela-se à inteligência coletiva e à postura correta perante o trabalho de equipa, mais do que ao sucesso individual. Nenhum docente pode alhear-se das competências colaborativas inerentes à sua função. Neste contexto, insistir num modelo individualista de avaliação docente que se reduz a um mero exercício burocrático com vista à seriação e controlo em nada contribuirá para a mudança: é anacrónico e perfeitamente inútil.
5.ª Meta ― Alterar o sistema de avaliação de desempenho docente, substituindo-o por outro que, obedecendo a critérios de validade e objetividade, meça o desempenho do docente mas no contexto da avaliação (interna ou externa) da sua escola, das suas equipas de trabalho e dos seus alunos.
Os responsáveis do Ministério da Educação, preocupados com estatísticas e inquéritos de opinião, vivem obcecados pelos resultados e pelas melhorias a todo o custo. Fazem-se provas intermédias, pré-testes, aferições. Multiplicam-se as iniciativas que provocam excesso de trabalho burocrático e desviam os professores da sua função primordial.
6.ª Meta ― Desburocratizar e racionalizar os processos de avaliação dos alunos (realizar anualmente provas de aferição, por exemplo, é em si mesmo um disparate e um desperdício de tempo e dinheiro) e apostar em aprendizagens profundas. Nesta escola socialista tudo é fácil, tudo é lúdico, tudo é projeto. Os testes são lacunares e só se questiona o óbvio; a pedagogia da exigência cede a uma ilusória pedagogia da diferenciação; não se estimula nos alunos a paixão pela dificuldade, pelo obstáculo, pelo problema. A escola, por ignorância ou mimetismo, atua em sintonia com os pais e primeiros educadores, mostrando-se incapaz de impor limites, diferenças e disciplina.
7.ª Meta ― Fomentar nas escolas uma pedagogia de exigência, responsabilidade e respeito, promovendo alterações profundas no Estatuto do Aluno e devolvendo às escolas e agentes educativos o poder e autoridade que lhes são devidos.Não é novidade para ninguém que o consulado socialista na Educação se tem pautado por um centralismo obsessivo. Tudo tem sido imposto e regulado. Cite-se, a título de exemplo, as famigeradas “metas educativas”, muitas das quais constituem autênticos disparates. Eis um exemplo de uma meta para alunos do 5.º ano de escolaridade: “O aluno comunica, participa ou constrói blogs e webquests e grava podcasts relacionados com perspectivas e conhecimentos relativos ao passado histórico e à realidade geográfica em estudo.” (Subdomínio: Comunicação do Conhecimento Histórico e Geográfico).
8.ª Meta ― Conceder progressivamente às escolas uma verdadeira autonomia, isto é, a capacidade de tomar decisões nos domínios estratégico, pedagógico, administrativo, financeiro e organizacional, no quadro do seu projeto educativo e em função dos meios que lhes estão consignados.
Uma verdadeira autonomia das escolas pressupõe uma liderança legitimada e sustentável, capaz de promover um verdadeiro desenvolvimento organizacional, através de uma cultura de melhoria contínua com base no trabalho de equipa; as abordagens serão centradas em processos; a gestão da qualidade feita segundo modelos estandardizados mas simultaneamente flexíveis, favorecendo uma utilização mais ampla, diversificada e inteligente de múltiplas formas de evidência e de prestação de contas.
9.ª Meta ― Associar à autonomia das escolas uma cultura de desenvolvimento organizacional, fomentando práticas sustentáveis e recorrentes de autoavaliação.Os esforços tradicionais das chamadas grandes reformas partem do pressuposto de que algo está errado e que é necessário reestruturar todo o sistema. A renovação, pelo contrário, assenta, de forma ecológica, na vida das escolas e das pessoas que nelas trabalham. Mas a renovação só será possível com uma verdadeira reforma deste Ministério, incapaz de promover e apoiar docentes devidamente capacitados, auto-confiantes e reconhecidos pela sociedade como fontes de saber e de aprendizagem.
10.ª Meta ― Reorganizar toda a orgânica e serviços do Ministério da Educação, tendo em conta critérios de racionalidade, eficiência e eficácia.
Fernando Alberto Cardoso

PROFESSOR E A SUA INFLUÊNCIA


Quer o professor queira ou não, tudo o que diz, faz e é tem uma enorme influência no desenvolvimento do carácter dos alunos. Quantos alunos são salvos diariamente pela forma como o professor exerce a sua autoridade e influência? Quantos se perdem porque não tiveram a oportunidade de beneficiar de professores com autoridade e influência?
O professor ensina pela palavra, pela forma como interage com os alunos, pelas atitudes que manifesta diariamente na sala de aula, nos corredores da escola, no bar e na sala de professores. Onde quer que está uma professora está uma educadora. Até o professor que se demite das funções de educador, aquele que prefere fingir que não vê o que se passa, que está ali apenas para despejar matéria e que recusa formular juízos de valor, não deixa de condicionar e influenciar o desenvolvimento do carácter dos alunos.
É melhor que o professor tome consciência da importância que tem no moldar do carácter dos alunos porque, se agir de forma consciente e reflexiva, pode evitar erros que sairão caros aos alunos.
Como é que o professor influencia os alunos?
Através do seu exemplo e da sua personalidade.
Pela palavra e pelo ensino.
Com a sua autoridade institucional.
Com a sua autoridade pessoal e psicológica. Esta última é natural mas pode ser aperfeiçoada.

OS PROFESSORES E A ESPERANÇA


A Esperança tem de começar no interior de nós mesmos.
Temos de querer e crer no nosso poder de reconstrução dos nossos pequenos mundos. Os professores têm mais poder do que o que pensam possuir. E podem mobilizá-lo para essa reinvenção de dias mais claros. São, certamente, pequenos poderes. Mas que farão toda a diferença para muitos alunos e colegas de ofício.
E bem precisados estamos. Porque é ilusório pensar que será o sistema que nos trará respostas para os problemas. O sistema só nos anuncia mais problemas: mais tempo de trabalho, menos remuneração, mais conflitualidade, menos, mais... numa contabilidade desastrosa.
E, neste cenário, teremos encontrar dentro de nós e na relação com os nossos pares novas formas de tecer a esperança em melhores dias.