segunda-feira, 28 de junho de 2010

EDUCAÇÃO - POUPANÇA DE 1.000 MILHÕES €


DE COMO POUPAR COM A EDUCAÇÃO MIL MILHÕES DE EUROS

A educação e a saúde são os sectores que mais contribuem para a despesa pública. Eis como poupar alguns milhões com a educação.
Nos últimos cinco anos foram cometidos erros atrás de erros. O centralismo, a burocratização, a complexidade e o controlismo tiveram como resultado o estado actual de quase falência do sistema educativo público.
Sem querer ser exaustivo, aponto alguns erros que tornaram o monstro ingovernável e financeiramente inviável:
As AEC e a escola a tempo inteiro: são caras e inúteis. Criaram uma legião de 10 mil tarefeiros e engordaram algumas empresas privadas amigas dos municípios. É preciso reduzir a despesa? Acabe-se com a escola a tempo inteiro!
O professor-bibliotecário: dantes as bibliotecas escolares eram coordenadas por professores que davam aulas; agora, são coordenadas por ex-professores que não dão aulas. São vários milhares. Custam dezenas de milhões de euros por ano. Querem reduzir a despesa? Acabem com isso e regressem ao modelo antigo. Entreguem a coordenação das bibliotecas escolares a professores que dêem aulas.
As Actividades Curriculares Não Disciplinares: são uma perda de tempo, não ensinam nada, potenciam a indisciplina e são extremamente caras. Chegámos ao ponto de a Área de Projecto ser leccionada por 2 docentes. Querem reduzir despesa? Acabem com as ACND!
Aulas de Biologia e Física e Química com turmas desdobradas. Na maior parte dos casos, são aulas teóricas. As escolas não dispõem de laboratórios suficientes para fazer aulas práticas. Querem reduzir despesa? Acabem com os desdobramentos das turmas.
Aulas de EVT com dois professores por sala. Querem reduzir despesa? Um professor por sala não chega?
CEF com menos de 15 alunos. Há milhares de turmas CEF com menos de 10 alunos. Querem reduzir despesa? Não autorizem o funcionamento de turmas CEF com menos de 15 alunos.
Prestação de contas: os directores estão submersos por pedidos constantes de prestação de contas. A maior parte do tempo das direcções executivas das escolas é consumido a enviar relatórios e estatísticas para as DRE e os departamentos centrais do ME. Querem reduzir despesa? Deixem as escolas respirar, acabem com a tortura da prestação de contas e permitam que os directores dediquem o seu tempo a gerir o dia-a-dia da escola. Regressem ao modelo de gestão escolar dos conselhos executivos eleitos e sem suplementos remuneratórios. Parem de interferir na vida das escolas. Mandem os burocratas das equipas de apoio às escolas de regresso à sala de aula!
Sistema de vigilância electrónica nas escolas: óptimo para criar oportunidades de negócio para as empresas amigas do PS mas péssimo para o país. Quanto custa o sistema? Qual é o preço da manutenção do sistema? Que utilidade tem? Querem reduzir despesa? Nem mais uma escola com sistema de vigilância electrónica!
Controlo automático de entradas e saídas da escola: outro excelente negócio para as empresas amigas do PS; péssimo para o país. Quanto custa a manutenção do sistema? Que utilidade tem? Querem reduzir despesa? Nem mais uma escola com controlo automático de entradas e saídas!
Quadros interactivos: há milhares de quadros interactivos nas escolas que nunca foram usados nem nunca serão. Querem reduzir despesa? Nem mais um quadro interactivo nas escolas!
Oferta de computadores portáteis às crianças da escola primária: enorme desperdício de dinheiros públicos sem qualquer utilidade pedagógica. Querem reduzir despesa? Nem mais um Magalhães!
Os planos tecnológicos das escolas: já fizeram as contas aos custos? E à quantidade de professores afectos à gestão e coordenação dos PTE? Querem reduzir despesa? Ponham um fim aos planos tecnológicos das escolas e coloquem os docentes afectos à gestão dos PTE a dar aulas.
Equipas de apoio às escolas: são uma prateleira dourada para professores socialistas. Passam o tempo a perturbar os directores em visitas inúteis às escolas para ditarem sentenças e controlarem o trabalho dos professores. Querem reduzir despesas? Mandem esses professores de regresso à sala de aula.
Directores de Centros de Formação: para além de não leccionarem ainda recebem suplemento remuneratório de montante idêntico aos directores das escolas. A formação contínua de professores parou. Não existe. Para que servem os directores dos CFAE? Querem reduzir despesa? Enviem-nos de regresso à sala de aula.
Contratos de associação com escolas privadas: regra geral não se justificam. Querem reduzir despesa? Acabem com os contratos de associação com escolas privadas.
As DRE são caixas de correio e paraísos para professores socialistas que não querem dar aulas. A sua única função é perturbar as escolas e dificultar o trabalho dos directores. Querem reduzir a despesa? Extingam as DRE e devolvam os docentes destacados e em comissão de serviço à sala de aula.
Uma DGIDC, para quê? As escolas não precisam de um departamento central que lhes dêem orientações pedagógicas. O que as escolas precisam é de mais autonomia pedagógica para poderem ajustar as práticas aos contextos locais. Querem reduzir despesa? Fechem a DGIDC!
Cálculos muito gerais, levam-me a concluir que, com estas medidas, seria possível reduzir a despesa pública em cerca de mil milhões de euros.

ROSTO-OLHAR


O que é um olhar? O olhar não se encontra nos olhos. Observação de Sartre: “O olhar do Outro esconde os seus olhos”. Observação de Cecília Meireles: “O sentido está guardado no rosto com que te observo”. Eu não te observo com os meus olhos. Eu te observo com o meu rosto. Os olhos são peças anatómicas assustadoras em si mesmas. Olhos não têm sentido. Eles nada dizem. Mas o rosto com que te observo guarda um segredo. Não observo com os olhos. Observo com o rosto. É o rosto que desvenda o mistério do olhar. O rosto da mãe revela à criança o segredo do seu olhar. Isso é verdade até para os animais: o olhar de um cão…
Roland Barthes é uma excepção. Ele não tinha medo de pensar os seus próprios pensamentos, mesmo que não pudessem ser cientificamente comprovados. Às vezes, a exigência de provas é uma manifestação de burrice. Acho que se ele tivesse que resumir o que pensava sobre educação numa única frase, ele diria: “No princípio é o olhar…”. A educação acontece na subtil trama entre os olhares da mãe e do filho. Pois é aí que se revela o desejo.Vejam esta deliciosa descrição da mãe ensinando o filhinho a andar:
Quando a criança aprende a andar, a mãe não discorre, nem demonstra: ela não ensina a andar, ela não representa (não anda diante da criança): ela sustenta, encoraja, chama (recua e chama): ela incita e cerca: a criança pede a mãe e a mãe deseja o andar da criança.
Van Gogh tem uma delicada tela que representa esta cena: o pai, jardineiro, interrompeu o seu trabalho; está ajoelhado no chão, com os braços estendidos para criança que chega, conduzida pela mãe. O rosto do pai não pode ser visto. Mas é certo que ele está sorrindo. O rosto-olhar do pai está dizendo para o filhinho: “Eu quero que andes”. É o desejo de que a criança ande, desejo que assume forma sensível no rosto da mãe ou do pai, que incita a criança na aprendizagem dessa coisa que não pode ser ensinada nem por exemplos, nem por palavras.
Os educadores académicos dirão que isso é piegas, romântico – não é científico. É verdade. O que eu disse não pode ser dito cientificamente. Só poeticamente. Acontece que, como disse Bernardo Soares, o facto é que somos incuravelmente românticos! Assim, sendo a educação uma coisa romântica (não consigo pensar uma criança sem ternura), eu lhe digo: “Professor: trate de prestar atenção no seu olhar. Ele é mais importante que os seus planos de aula. O olhar tem o poder para despertar e para intimidar a inteligência. O olhar é um poder bruxo!”.
Rubem Alves

DIFERENCIAÇÃO PEDAGÓGICA


É difícil diferenciar sozinho. No mínimo, deve-se negociar com os colegas mais próximos e com a administração para ampliar os graus de liberdade com relação ao programa, à avaliação, ao emprego de tempo e do espaço: toda diferenciação pedagógica obriga a trapacear mais ou menos discretamente com as normas do estabelecimento. De preferência, deve-se trabalhar com os pais, para associá-los a um contrato de trabalho ou, ao menos, para evitar as ações discordantes, por exemplo, a repressão por parte da família no momento em que o professor se esforça para elevar a auto-estima de seu aluno (Montandon e Perrenoud, 1987).

A diferenciação deveria estar, sobretudo, a cargo de uma equipa peda­gógica por muitas razões evidentes: divisão do trabalho, reforço mútuo, continuidade ao longo do curso, descompartimentação, multiplicidade de visões sobre os alunos e de estratégias de intervenção, acúmulo e partilha de experiências, etc. Ora, trabalhar em equipe é assumir o luto de sua auto­nomia e de sua loucura pessoal. É conceder aos outros, por uma boa causa e sem os mecanismos de defesa que conservam a hierarquia a distância, um direito de observar as práticas aplicadas, um direito e um dever de ingerência na sala de aula. É romper com a "lei ambienta!" dos professores: "Cada um por si; depois de fechar a porta, eu é que mando na sala e não me intrometo no que os meus colegas fazem". É enfrentar a diferença, o con­flito, os problemas de comunicação e de poder entre adultos. No entan­to, uma diferenciação eficaz tem esse preço. Todos aqueles que têm experiência de trabalho em equipe pedagógica sabem que precisam as­sumir o luto de uma forma de liberdade. É claro que também abando­nam, no melhor dos casos, os sentimentos de impotência e de solidão que os acompanham. Aqui também é inútil negar o luto. É melhor tra­balhar por aquilo que o justifique, em primeiro lugar pelos alunos, mas também pelos adultos!

o luto pelo poder magistral

Talvez esse seja o luto mais exorbitante para todos aqueles que opta­ram pelo ensino para propiciar um espetáculo permanente a um grupo, para estar sempre no centro dos acontecimentos, como maestro da orquestra, líder carismático, placa giratória (Ranjard, 1984). Talvez seja o luto mais fácil para todos aqueles que vivem o confronto com o grupo como uma ameaça ou um conflito ininterrupto, uma incerteza sempre reiniciada quanto a saber o que acontecerá com a relação de forças. Provavelmente no ponto em que o contrato pedagógico estiver mais degradado, melhor se aceitará o fato de ter de mudar de papel, de se tornar organizador, pessoa-recurso, mestre de apoio, criador de meios e seqüências didáticas geradas em parte sem o professor, oferecedor de feedbaek, negociador de contratos, inspira­dor desejos e projetos, mediador entre os alunos e outras fontes de infor­mação ou enquadramento, em vez de magister único, detentor do saber e do poder na sala de aula.

o trabalho do luto

Diferenciar é assumir o luto de uma prática antiga, e isso jamais acon­tece sem hesitações e ambivalências. Inovar, nesse sentido, significa atri­buir um status ao luto, verbalizá-Io, trabalhá-lo, declarar as resistências legítimas (Gather Thurler, 1993a) mais que apelar somente à racionalidade e à consciência profissional dos professores. Já mencionei em outra obra (Per­renoud, 1988a) a idéia de que a pedagogia de domínio é uma utopia racionalis­ta, destinada a se chocar contra os interesses e as estratégias dos atores (alunos e professores) na organização. Podemos dizer o mesmo de toda pedagogia diferenciada. E a única solução - porta estreita, caminho espinhoso - é reco­nhecer essa contradição e elaborá-la com os interessados.

Perrenoud

MEGA-AGRUPAMENTOS: UM ERRO


Mega-Agrupamentos - um Erro Crasso

E é um erro Crasso pelas seguintes razões:

a) as lideranças instrucionais e transformacionais (que a literatura reconhece como forças poderosas de mudança educacional) perdem as condições de exercício e tendem a transformar-se em mera gestão burocrática de estruturas;

b) a comunicação intra-agrupamentos era um ponto crítico reconhecido na generalidade das situações o que limitava fortemente a coerência e a coesão na acção; com esta medida a comunicação tende a ser um simulacro; e as articulações verticais e horizontais - outro ponto crítico do sistema - serão definitivamente enterradas;

c) a necessidade de uma missão e de uma visão comuns construída pelo maior número possível de actores, já de si tendencialmente inexistente, mas que toda a investigação reconhece como central na promoção da eficácia organizacional, vai ser completamente erradicada. Muitos anos se vão passar até ser possível restaurar o que agora se perde;

d) os climas de escola - reconhecidamente uma variável central na promoção das aprendizagens dos alunos - são seriamente danificados com este processo caótico e irracional;

e) a monitorização e auto-avaliação dos processos e resultados - um dos maiores pontos críticos identificados pela avaliação externa realizada pela IGE - vão ser ainda mais fragilizadas, perdendo, por muito tempo, a esperança de colocar a auto-avaliação ao serviço da melhoria das organizações educativas;

f) o trabalho colaborativo, designadamente em sede de departamentos, tão necessário para enfrentar os complexos desafios educativos, tende a ser impossível com as mega-estruturas entretanto fundidas;

g) a confiança numa ordem legal estável e confiável é definitivamente enterrada; conselhos gerais eleitos há pouco mais de um ano são desfeitos; directores seleccionados e eleitos no mesmo prazo temporal são agora chamados e despedidos uns e promovidos outros a directores fictícios de conglomerados organizacionais;

h) as relações entre os membros da organização - factor chave de sucesso - são seriamente afectadas criando-se um ethos destrutivo e nefasto;

i) a concentração e a hierarquização do poder - ao invés do pretendido - são factores de perda, de ameaça ao necessário empowerment , de reforço das tendências centrífugas e anárquicas, sendo expectável o cenário da ingovernabilidade destas mega-organizações;

j) as ligações escola-família - outro factor crítico - nada ganham com esta solução, podendo, pelo contrário, afectar a comunicação com o dirigente máximo;

l) a co-existência de culturas profissionais em conflito de visões e percepções pode transformar a escola numa arena política ainda mais destrutiva.

É certo que esta "solução" pode poupar alguns milhões de euros (em qualquer caso, está longe de estar demonstrado o ganho significativo). Mas os prejuízos educativos e pedagógicos são incalculáveis. Custa-me viver num país que tão levianamente afecta e prejudica centenas de milhares de portugueses.

sábado, 12 de junho de 2010

PRINCÍPIOS DA FORMAÇÃO DE ADULTOS


PRINCÍPIOS DA FORMAÇÃO DE ADULTOS

(...) É este esforço de reflexão (inacabada) que procuraremos transmitir de seguida, através da sistematização de alguns princípios que, a nosso ver, devem servir de referência a qualquer projecto de formação de adultos, quer seja no quadro da formação profissional, quer seja no âmbito da formação de formadores.

1.º princípio
O adulto em situação de formação é portador de uma história de vida e de uma experiência profissional; as suas vivências e os contextos sociais, culturais e institucionais em que as realizou são fundamentais para perceber o seu processo de formação. Mais importante do que pensar em formar este adulto é reflectir sobre o modo como ele próprio se forma, isto é, o modo como ele se apropria do seu património vivencial através de uma dinâmica de "compreensão retrospectiva".

2.º princípio
A formação é sempre um processo de transformação individual, na tripla dimensão do saber (conhecimentos), do saber-fazer (capacidades) e do saber-ser (atitudes).
Este objectivo só será atingido se:
i) houver uma grande implicação do sujeito em formação, de modo a ser estimulada uma estratégia de auto-formação, a única que pode assegurar resultados a longo prazo, pois "ninguém forma ninguém" e ... "a formação pertence, de facto, a quem se forma";
ii) for encarada esta estratégia numa perspectiva de auto-formação participada, e não numa óptica isolacionista, pois a interacção com o grupo (formandos e formadores) é um elemento estruturante e profundamente enriquecedor do processo de formação individual;
ii)•for assegurada uma participação alargada dos formandos na concepção e implementação do projecto de formação, bem como uma interacção constante e uma cooperação no seio da equipa de trabalho.

3.º princípio
A formação é sempre um processo de mudança institucional, devendo por isso estar intimamente articulada com as instituições onde os formandos exercem a sua actividade profissional.
Este objectivo só será atingido se:
i)•houver uma grande implicação das instituições na concepção, implementação e avaliação do projecto de formação;
ii)•for celebrado uma espécie de contrato de formação entre as três partes interessadas (equipa de formação, formandos e instituições), que defina o mais claramente possível o contributo de cada um dos parceiros e estipule os compromissos a assumir antes, durante e após a realização do projecto de formação;
iii) for desenvolvida uma estratégia de formação em alternância, que viabilize uma ligação estrutural entre os espaços de formação e de trabalho; Importa assegurar que esta alternância seja estrutural, e não apenas justaposta ou associativa, pois só assim será possível uma imbrincação efectiva entre o "aprender" e o "fazer";
iv) for a formação entendida, não só como um contributo futuro para uma mudança institucional, mas também como um elemento actuante (no presente) das dinâmicas institucionais;
v)•assumir o projecto de formação sem equívocos a dimensão social, que está presente (quer queiramos, quer não!) em toda e qualquer acção de formação de adultos.

4. º princípio
Formar não é ensinar às pessoas determinados conteúdos, mas sim trabalhar colectivamente em torno da resolução de problemas. A formação faz-se na "produção", e não no "consumo", do saber.
Este objectivo implica que se procurem levar à prática três conceitos centrais da formação de adultos:
•Formação-Acção - A formação deve organizar-se numa tensão permanente entre a reflexão e a intervenção, pois o saber não é independente dos instrumentos utilizados na sua elaboração e das práticas sociais que se encontram na sua génese. Por outro lado, é fundamental que se estipulem as potencialidades formadoras das diversas actividades profissionais;
•Formação-Investigação - A formação deve basear-se no desenvolvimento de um projecto de investigação (individual e/ou institucional); esta opção permite a junção de duas operações intimamente ligadas pela mesma matéria-prima (o saber), mas que tradicionalmente têm estado separadas: a formação socialmente reconhecida faz-se em centros especializados e a investigação cientificamente reconhecida faz-se em laboratórios próprios.
•Formação-Inovação - Se a formação implica uma transformação individual e uma mudança institucional, então ela deve realizar-se através de um empenho dos formandos num processo de inovação, isto é, num processo de procura de soluções alternativas para a resolução dos problemas; a formação deve ser encarada como uma função integradora, institucionalmente ligada à mudança.

5.º princípio
A formação deve ter um cariz essencialmente estratégico, preocupando-se em desenvolver nos formandos as competências necessárias para moblilizarem em situações concretas os recursos teóricos e técnicos adquiridos durante a formação.
A consecução deste objectivo obriga a:
i)•definir de forma rigorosa os objectivos da formação, formulando-os, por um lado, em termos das competências que os formandos terão de mobilizar e, por outro lado, em termos das mudanças que se desejam no plano profissional e/ou institucional;
ii)•conceber um percurso de formação, estruturado e organizado em função dos objectivos acima definidos, que, sem restringir as liberdades e os ritmos individuais, dê consistência a uma situação colectiva de formação;
iii)•destrinçar claramente os diferentes níveis de avaliação (a avaliação dos formandos em situação de formação, a avaliação dos formandos em situação de trabalho e a avaliação do projecto de formação), construindo os instrumentos adequados à avaliação rigorosa de cada um destes níveis.

6.º princípio
E não nos esqueçamos nunca que, como dizia Sartre, o homem caracteriza-se, sobretudo, pela capacidade de ultrapassar as situações, pelo que consegue fazer com que os outros fizeram dele. A formação tem de passar por aqui.

Nóvoa. António (1988). A Formação tem de passar por aqui: as histórias de vida no projecto Prosalus. O Método (auto)biográfico e a formação. Lisboa: Ministério da Saúde

segunda-feira, 7 de junho de 2010

POTENCIALIDADES DAS NOVAS DIDÁCTICAS


As novas didácticas modificam pois os custos e os lucros relativos às estratégias já disponíveis face ao trabalho escolar tradicional. Mas este não é o seu único efeito: as novas didácticas tomam igualmente possível que se ponham em prática estratégias diferentes, que não fariam sentido no quadro de uma didáctica tradicional. Eis as principais.

1. Monopolizar as tarefas que dão segurança
Alguns alunos detestam as tarefas abertas, não gostam de reflectir, ficam desencora¬jados pela simples ideia de se auto-interrogarem. Entre as várias actividades possíveis, escolhem aquelas que se aproximam mais do trabalho escolar tradicional, por exemplo: copiar um texto, classificar fichas, pôr documentos em ordem, procurar palavras ou infor¬mações numa lista, realizar minuciosamente recortes ou gráficos necessários para fazerem determinadas experiências. Há sempre, em actividades complexas e colectivas, lugar para tarefas de execução relativamente estereotipadas. Alguns alunos escolhem-nas sistemati¬camente para si e, aparentando participarem numa pedagogia nova, reproduzem, na realidade, as condutas mais conformistas.

2. Organizar o trabalho dos outros
As tarefas abertas e colectivas permitem a emergência de um novo papel que é o de organizar, de coordenar o trabalho dos outros alunos. Numa didáctica tradicional, este papel é monopolizado pelo professor; numa didáctica nova, este já não pode, sozinho, animar e coordenar todas as tarefas paralelas e, muitas vezes, não o deseja, por pensar que a liderança é tão formadora como qualquer outra tarefa. Alguns alunos, que apenas têm um interesse limitado pelo programa, encontram satisfação intelectual e relacional ao assumirem uma liderança que tomam por iniciativa própria ou que lhes é delegada pelo professor ou pelos colegas. Tornam-se então os porta-vozes do grupo, organizam a discussão e recordam aos outros os seus compromissos.

3. Desaparecer no vazio
Em qualquer turma, há sempre alguns alunos que tentam "escapulir-se", que tentam escapar a certas tarefas, o que se toma difícil quando o professor distribui sistematicamente a todos o mesmo exercício. Mas quando as tarefas se diversificam, quando o professor solicita iniciativas ou espera propostas, toma-se até possível não se propor nada de concreto! Mas, para que tal aconteça, é preciso fazê-lo com uma certa habilidade: um aluno que, aberta-mente, não entrasse no jogo, que mostrasse que não tinha nenhum desejo de inventar uma história ou de encontrar uma forma de calcular a área de um polígono, correria o risco de ser chamado à ordem e, eventualmente, de se ver sobrecarregado com tarefas mais convencio¬nais. Alguns alunos são tão subtis que conseguem disfarçar a sua falta de interesse e fingem, com aplicação, estar a dar tratos desesperados à imaginação. Mas, se nos dermos ao trabalho de os observar, durante algum tempo, apercebemo-nos que saltam de um grupo de perguntas para outro, sempre preparados para iniciarem o trabalho. E, vinte minutos mais tarde, não têm ainda nada feito e nunca sabem o que querem fazer. Muitas vezes, o professor está demasiado absorvido com os alunos que se empenham na tarefa para se dar logo conta dos alunos que, habilmente, permanecem inactivos. Mesmo quando os tem debaixo de olho, com este tipo de didáctica, em que a regra do jogo é os alunos darem provas de iniciativa e de criatividade, é-lhe difícil, de repente, impor-lhes um trabalho estruturado.

4. A actividade desordenada
Ao contrário dos alunos que não fazem nada, outros estão permanentemente ocupados, poder-se-ia mesmo dizer, hiperactivos. Mas, se observarmos de perto o que é que fazem, damo-nos conta, muitas vezes, que se empenham em tarefas que têm pouca relação com a situação definida pelo professor, com uma utilidade limitada de que, de facto, ninguém se servirá. Alguns alunos verificam, febrilmente, no dicionário, palavras de que ninguém precisa, fazem cálculos que não estão relacionados com o problema, medem, recortam, desenham seja o que for com o pretexto de contribuírem para a tarefa comum. Esta agitação não parece nada ser fonte de aprendizagens, mas cria essa ilusão.

5. Fazer de cavaleiro solitário
As novas didácticas permitem a alguns alunos, com a aprovação do professor, indivi¬dualmente ou em pares, separarem-se completamente do grupo-turma, inventarem um currículo e grupos de objectivos particulares. É evidentemente um privilégio reservado aos melhores alunos que podem, assim, em lugar de combaterem o aborrecimento com diversas formas de indisciplina, distanciar-se das tarefas comuns e encontrar actividades ao seu nível. Quando o professor tenta diversificar o ensino, uma didáctica nova permite-lhe, também, dentro de certos limites, estabelecer para os alunos mais fracos um regime de trabalho parcialmente independente das actividades do grupo-turma, o que pode ajudá-los a reencontrar o interesse, logo, a recorrerem menos vezes às estratégias defensivas a que o trabalho escolar tradicional os condenava.

Philippe Perrenoud