quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Os Sentimentos, as emoções em A. Damásio


Na minha tentativa de explicar o que são os sentimentos, começo por perguntar ao leitor: quando pensa num sentimento de que tenha tido experiência, agradável ou não, intenso ou não, o que constitui para si o conteúdo desse sentimento? Repare que a minha pergunta não tem a ver com a causa do sentimento; ou com a intensidade do sentimento; ou com a sua valência positiva ou negativa; ou com os pensamentos que lhe vieram ao espírito na sequência do sentimento. A pergunta tem a ver com os conteúdos mentais, com os ingredientes, digamos, que constituem o senumento.

Para facilitar a resposta, deixe-me fazer uma sugestão: imagine-se deitado na areia de uma bela praia, com o sol do fim da tarde aquecendo a pele, com o mar a desfazer-se gentilmente aos seus pés, uma brisa ligeira a agitar os pinheiros algures por detrás de si, e um céu azul sem sombra de nuvem. Dê tempo ao tempo e recorde a experiência em pormenor. Presumo que se tenha sentido bem e a pergunta que lhe ponho diz respeito a esse bem-estar que sentiu. Em que consiste esse bem-estar? Há várias possibilidades: talvez que o bem-estar tenha vindo em boa parte da temperatura confortável da sua pele. Ou da respiração calma e fácil, liberta de qualquer resistência no peito ou na garganta. Os seus músculos estavam tão distendidos que não exerciam qualquer tracção nas articulações. O corpo estava leve, bem implantado no chão, mas leve; era possível sentir o organismo como um todo, dar-se conta de um mecanismo que funcionava sem qualquer problema, sem dor, numa simples perfeição. Recorde-se, talvez, de que tinha energia para se movimentar, mas que preferia estar quieto, numa combinação um pouco paradoxal da capacidade e inclinação para agir e do saborear da quietude. Em suma, o corpo tinha-se modificado ao longo de diversas dimensões. Algumas dessas dimensões eram óbvias e o seu local fácil de identificar. Outras dimensões eram mais problemáticas. Por exemplo, era difícil localizar no corpo o bem-estar daquele momento.

As consequências mentais do estado que acabei de descrever são notáveis. Recorde que, quando conseguia desviar a sua atenção da sensação pura de bem-estar, quando conseguia concentrar-se em ideias que não diziam respeito directamente ao corpo, enncontrava no seu espírito pensamentos cujos temas criavam uma nova onda de sentimentos de prazer. Imagens de acontecimentos agradáveis que aguardava com expectativa iam e vinham do espírito, tal como imagens de acontecimentos aprazíveis do passado. A sua disposição mental não podia ser mais feliz. No modo de pensaamento em que se encontrava, as imagens mentais tinham um foco nítido e surgiam abundantemente e sem esforço. O sentimento do momento estava a ter duas consequências. A primeira era o aparecimento de pensamentos cujos temas eram consonantes com a emoção e o sentimento de que estava a ter experiência. A segunda consequência era um modo de pensamento, um estilo de processo mental, digamos, que aumentava a velocidade da geração das imagens mentais e as tornava assim mais abundantes. Tal como Wordsworth, nos seus poemas TinternAbbey, o leitor tinha «doces sensações sentidas no sangue e sentidas ao longo do coração», e dava conta de que essas sensações «purificavam o espírito numa recuperação tranquila». Aquilo que o leitor normalmente considera «corpo» e «espírito» juntavam-se em perfeita harmonia. Todos os conflitos que o tinham preocupado antes deste momento nada mais eram do que memórias distantes.

Eu diria que aquilo que definia o sentimento agradável desses momentos, aquilo que justificava o uso do termo sentimento e a ideia de que o sentimento é diferente de qualquer outro tipo de pensamento, era a representação mental do corpo a funcionar de uma certa maneira. O sentimento de uma emoção, no seu mais puro e estreito significado, era a ideia do corpo a funcionar de uma certa maneira. Nesta definição, a palavra ideia pode ser substituída pelas palavras pensamento ou percepção. No momento em que o leitor considerava o sentimento na sua essência, separado do objecto que o causava e dos pensamentos e modo de pensar que lhe eram consequentes, o conteúdo do sentimento aparecia claramente como a representação de um estado muito particular do corpo.

Este comentário aplica-se inteiramente aos sentimentos de tristeza, aos sentimentos de qualquer outra emoção, aos sentiimentos dos apetites e aos sentimentos das várias acções regulatórias que continuamente ocorrem no organismo. Os sentimentos, no sentido em que a palavra é usada neste livro, emergem das mais variadas reacções homeostáticas, não somente das reacções a que chamamos emoções no sentido restrito do termo. De um modo geral, os sentimentos traduzem o estado da vida na linguagem do espírito. Aquilo que proponho é que as diversas reacções homeosstáticas, das mais simples às mais complexas, são acompanhadas• necessariamente por estados do corpo que são bem distintos. Os objectos mais variados da nossa experiência do dia a dia, desde aqueles que são prescritos pela evolução biológica àqueles que aprendemos na nossa história individual, têm a capacidade de produzir certos padrões de reacção homeostática (no seu papel de objectos emocionalmente competentes, tal como descrevemos no capítulo dois) e é também verdade que maneiras de estar do corpo estão fortemente associadas a certos temas de pensamento e a certos modos de pensar. A tristeza, por exemplo, é acompanhada por uma produção reduzida de imagens mentais e por uma atenção excessiva para essas poucas imagens. Por outro lado, nos estados de felicidade as imagens mudam rapidamente e a atenção que lhes é dada é reduzida. No seu mais essencial, os sentimentos são percepções, e aquilo que proponho é que o apoio fundamental dessas percepções diz respeito aos mapas cerebrais do estado corpo (por razões que serão claras no decorrer deste capítulo, faço notar que me refiro à percepção do conteúdo de mapas cerebrais do corpo e não, necessariamente, à percepção do estado do corpo).

Na construção de um sentimento, a percepção do estado do corpo é assim acompanhada pela percepção de temas consonantes com esse estado e pela percepção de um certo modo de pensar. Estes dois acompanhantes resultam da construção de metasentações no nosso processo mental, uma operação de alto nível na qual uma parte do nosso espírito representa uma outra parte desse mesmo espírito. É este processo de alto nível que nos permite dar conta de que os nossos pensamentos são mais ou menos vagarosos à medida que mais ou menos atenção lhes é devotada. Em conclusão, a minha hipótese de trabalho sobre aquilo que são os sentimentos indica que um sentimento é uma percepção de um certo estado do corpo, acompanhado pela percepção de pensamentos com certos temas e pela percepção de um certo modo de pensar. Todo este conjunto preceptivo se refere à causa que lhe deu origem. Os sentimentos emergem quando a acumulação dos pormenores mapeados no cérebro atinge um determinado nível. A filósofa Suzanne Langer captou a natureza desse momento de emergência dizendo que o sentimento começa quando a actividade do sistema nervoso atinge uma «frequência crítica».1

A minha hipótese não é compatível com a ideia de que a essência dos sentimentos, ou a essência das emoções, quando emoções e sentimentos são considerados sinónimos, é simplesmente uma colecção de pensamentos com certos temas ligados a um certo rótulo emocional, como por exemplo pensamentos de situações de perda em relação a tristeza, e referidos ao objecto que os causou. Julgo que essa ideia tradicional sobre aquilo que são os sentimentos, sem referência ao estado do corpo, esvazia irremediavelmente o conceito de sentimento e de emoção. Se os sentimentos fossem meros agrupamentos de pensamentos com certos temas, como seria possível distingui-los de quaisquer outros pensamentos? Como seria possível manter a individualidade funcional que justifica os sentimentos de emoções como um processo mental particular? A minha ideia é de que os sentimentos de emoções são funcionallmente distintos porque a sua essência consiste em pensamentos sobre o corpo surpreendido no acto de reagir a certos objectos e situações. Quando se remove essa essência corporal a noção de sentimentos desaparece. Quando se remove essa essência corporal deixa de ser possível dizer «sinto-me feliz», e passamos a ser obrigados a dizer «penso-me feliz». E é evidente que se passássemos a falar da nossa felicidade com a expressão «penso-me feliz», seria legítimo perguntar por que razão os pensamentos são «felizes». Se não tivéssemos a experiência do corpo em estados aprazíveis e que consideramos «bons» e «positivos» no enquadramento geral da vida, não teríamos qualquer razão para considerar nenhum pensamento como feliz ou triste.

Na minha perspectiva, a origem das percepções que constituem a essência dos pensamentos é clara: o corpo é continuamente mapeado num certo número de estruturas cerebrais. Os conteúdos das percepções também são claros: estados do corpo retratados nos mapas cerebrais do corpo. Por exemplo, a estrutura muscular de músculos sob tensão é diferente da dos músculos relaxados e o seu mapeamento é correspondentemente diferente; o mesmo se pode dizer do estado de órgãos internos como o coração, e o mesmo se tem de dizer no que respeita à composição do sangue relativa a certas moléculas da qual a nossa vida depende e cuja concentração é mapeada continuamente em regiões cerebrais específicas. O substrato imediato dos sentimentos é constituído pelos mapas cerebrais do corpo nos quais se encontram representados os mais diversos parâmetros da estrutura e da operação do corpo. Tal como veremos mais adiante, embora estes mapas digam sempre respeito ao estado do corpo, o conteúdo exacto de cada momento pode não corresponder de forma fidedigna ao conteúdo exacto do corpo nesse momento. Esta situação resulta do facto de os sinais que respeitam à actividade corporal poderem ser modificados por acções directas de certos componentes do sistema nervoso central.

É de notar que não registamos conscientemente a percepção de todos estes aspectos do funcionamento do corpo, e ainda bem. Temos experiência de muitos deles, especificamente e nem sempre agradavelmente, tal como na percepção que podemos ter de uma arritmia cardíaca ou da contracção dolorosa de um segmento do intestino. Na maior parte dos casos, no entanto, acabamos por ter uma experiência «integrada» de certos parâmetros da fisiologia do corpo. Por exemplo, certos padrões químicos do nosso meio interno são registados como sentimentos de fundo - de fadiga, energia, ou mal-estar. Outros sentimentos «integrados» dizem respeito aos nossos apetites ou desejos. É evidente que nunca «sentimos» o nível da glicose sanguínea a cair abaixo dos seus valores ideais. O que sentimos são as consequências dessa queda: a fome, por exemplo, ou a falta de energia para o movimento.

Ter experiência de um sentimento, tal como um sentimento de prazer, consiste em ter uma percepção do corpo num certo estado, e ter a percepção do corpo em qualquer estado requer a presença de mapas sensoriais nos quais certos padrões neurais possam ser instanciados e a partir dos quais certas imagens mentais possam ser construídas. Aproveito este momento para lembrar que a emergêncÍa das imagens mentais a partir de padrões neurais não está completamente elucidada. Existe uma larga falha na nossa compreensão desse processo, à qual me refiro no capítulo 5. No entanto, sabemos o suficiente sobre o processo para poder dizer que a construção de imagens se apoia em substractos identificáveis que, no caso dos sentimentos, se tratam de diversos mapas do estado corporal colocados em diversas regiões cerebrais, desde o tronco cerebral ao córtex cerebral. Todas essas regiões interagem através de conexões nervosas e é importante notar que a nossa experiência do que é o sentimento não resulta do trabalho de nenhuma dessas regiões cerebrais de forma isolada. Trata-se sempre de um sistema de regiões em estreita cooperação e o produto mental a que chamamos sentimento resulta da cooperação estreita desse grupo de componentes do sistema.

Em conclusão, o conteúdo essencial dos sentimentos é um estado corporal mapeado num sistema de regiões cerebrais, a partir do qual uma certa imagem mental do corpo pode emergir. Na sua essência, um sentimento é uma ideia, uma ideia do corpo, uma ideia de um certo aspecto do corpo quando o organismo é levado a reagir a um certo objecto ou situação. Um sentimento de emoção é uma ideia do corpo quando este é perturbado pelo processo emocional, ou seja, quando um estímulo emocionalmente competente desencadeia uma emoção. O cerne desta noção de sentimento que hoje defendo provém das propostas de William James sobre o fenómeno da emoção (ver O Erro de Descartes e O Sentimento de Si para uma referência mais alargada às propostas de William James). Tal como veremos adiante, contudo, o mapeamento do corpo que constitui a parte principal da minha hipótese não é nem tão simples nem tão directo como William James imaginou há cerca de cento e vinte anos.

Damásio, António (2004). Ao Encontro de Espinosa - As emoções sociais e a neurologia do sentir. Lisboa: Publicações Europa-América

Um livro extra ordinário que nos revela as surpreendentes paisagens do corpo, do cérebro e da mente.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

RANKING MUNDIAL DAS UNIVERSIDADES


Ranking mundial de universidades do Times Higher Educational Supplement.
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1 A Harvard University fica em 1º lugar pelo sexto ano consecutivo. Mas os EUA perdem lugares. Em 2008, tiveram 37 universidades nas 100 melhores; em 2009, desceram para 32.

2. O Reino Unido melhora posições mas está ameaçado pela concorrência das universidades da China (sobretudo das 3 de Honk Kong que estão no top 100), Coreia do Sul, Austrália e Japão. Mesmo assim, o Reino Unido tem 4 nas primeiras 10.

3. A Cambridge University saltou este ano para o segundo lugar, fazendo baixar Yale para terceiro.

4. Os EUA gastam com as universidades, em proporção do PIB, o dobro do Reino Unido. Mas houve 4 universidades dos EUA que saíram do top 200. Admirados? Pois é verdade. Os prémios Nobel das Ciências - quase todos nas mãos de cientistas dos EUA - não se ganham por graça do Divino Espírito Santo.

5. O Reino Unido tem 29 universidades no top 200. Tem mais universidades no top 100 do que a soma de todos os outros países da UE.

6. A China está a gastar cada vez mais dinheiro com o sistema universitário e a atrair cada vez mais jovens brilhantes de toda a Ásia. As universidades chinesas, sobretudo as 3 de Hong Kong que ficaram no top 100, atraem cada vez mais jovens asiáticos que deixam de ir estudar para o Reino Unido porque preferem as universidades chinesas.

7. A França está em nítida decadência: apenas 2 universidades francesas estão no top 100.

8. Portugal, Espanha e Itália não constam da lista top 200. Espanha tem 3 universidades no top 300: Universidade Autónoma de Barcelona (211), Universidade Autónoma de Madrid(215) e Universidade Complutense de Madrid (252).

9. A universidade portuguesa melhor posicionada é a Universidade de Coimbra (366).

10. A Universidade de Lisboa não consta do top 500. E que dizer das universidades de Évora, Beira Interior, Minho, Aveiro, Madeira, Açores e, claro, dos institutos politécnicos? Uma tristeza. Portugal está fora do mercado mundial do Conhecimento. A opção (errada) de Portugal pela massificação do ensino superior deu nisto. Com o processo de Bolonha, deu-se nova e derradeira machadada na pouca qualidade ainda existente.

11. A Universidade de Coimbra está na posição 366 no ranking mundial de universidades do Times Higher Educational Supplement. É a terceira melhor do Mundo Lusófono, a seguir à Universidade de S. Paulo e à Universidade de Campinas. Subiu alguns lugares em relação a 2008.

12. A Universidade Nova de Lisboa ocupa a posição entre 401 e 500 (não discriminada).

13. A Universidade Católica Portuguesa ocupa a posição entre 5001 e 600 (não discriminada). A mesma posição ocupa a Universidade do Porto.

14. Não há mais nenhuma universidade portuguesa nas primeiras seiscentas.

15. Há 12 universidade dos EUA entre as primeiras 20. Harvard University volta a ocupar o 1º lugar mundial.

16. Há 6 universidades dos EUA entre as primeiras 10. Há 4 do Reino Unido entre as primeiras 10.

17. Há um crescimento do número de universidades asiáticas (Japão, China, Coreia do Sul e Singapura) entre as primeiras 100.

18. Houve um ligeiro decréscimo do número de universidades dos EUA nas primeiras 100.

19. Não há universidades portuguesas, espanholas, finlandesas e italianas nas primeiras 100.

20. Não há universidades dos países do Leste da Europa nas primeiras 100.

21. As universidades dos EUA e do Reino Unido continuam a ocupar os primeiros lugares do ranking mundial.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

AVALIAÇÃO E DIFERENCIAÇÃO PEDAGÓGICA


Uma das maiores preocupações que os professores referem acerca do ensino diferenciado é a forma como se avaliam, de forma justa, trabalhos e projectos, quando os alunos se encontram envolvidos em actividades diferentes, com vários níveis de dificuldade. Para responder a esta questão, o professor precisa de reflectir sobre a sua filosofia de avaliação, Considere-se a seguinte noção: O objectivo básico das notas é dar aos alunos (e aos seus pais) feedback sobre o seu progresso de aprendizagem e sobre a qualidade do seu trabalho. Idealmente, a avaliação não devia comparar um aluno com outro, nem devia ser usada para forçar os alunos a fazerem o seu trabalho. Se o professor tem de atribuir notas (é o caso da maior parte deles), deve fazê-lo para ajudar o aluno a compreender onde se situa no contínuo de aprendizagem (ao nível de iniciação, de progresso ou de domínio ou competência) e para avaliar até que ponto o desempenho do aluno reflecte os critérios do professor para um trabalho de elevada qualidade.

Para que o processo de avaliação seja justo e equitativo, é necessário que os alunos compreendam claramente as expectativas do professor. Cada actividade diferenciada deve ter critérios de avaliação claros. Se os alunos satisfizerem os critérios para um trabalho de qualidade elevada, o professor deve atribuir-lhes uma nota elevada. Diferentes tarefas ou procedimentos requerem critérios diferentes - uma tarefa mais estimulante e complexa terá um conjunto de critérios diferente do de uma tarefa mais básica e fundamental. No entanto, as distinções entre os critérios devem reflectir as diferenças no tipo de trabalho que os alunos estão a realizar. Todas as tarefas - básicas ou avançadas - são avaliadas em relação ao maior ou menor cumprimento dos critérios para essa tarefa.

Se os alunos compreenderem que trabalhos diferentes têm critérios de avaliação diferentes; se o professor conceber adequadamente as actividades diferenciadas e se tomar precauções para manter a estratificação invisível, os alunos e as suas famílias irão considerar justas as políticas de avaliação do professor.

Estabelecer critérios de qualidade para as actividades diferenciadas

O professor tem de explicar claramente aos alunos o que estará em causa no processo de avaliação dos seus trabalhos. Os critérios do professor devem ser:

• Claros e concisos, mas específicos. O professor deve usar uma linguagem objectiva. Palavras de sentido vago, como esmerado e importante, devem ser clarificadas. Que é exactamente um trabalho esmerado? É um trabalho que não é apresentado em folhas soltas arrancadas de um caderno de argolas? Sem rasuras ou outros sinais? Ou tem o significado de legível? Que significa especificamente importante? Pontos, conceitos ou vocabulário essenciais? Novos desenvolvimentos ou perspectivas? Após ter posto por escrito os seus critérios, o professor deve voltar a lê-los, perguntando-se a si próprio se os alunos irão ser capazes de os compreender facilmente. Se a resposta for negativa, deve reexaminar a linguagem e perguntar:

De que outra forma podia dizer isto?

• Escritos com um vocabulário acessível. O professor deve usar uma linguagem que os alunos compreendam (como é óbvio, esta difere de escalão etário para escalão etário). Deve evitar expressões técnicas assimiladas pelos professores durante a sua formação profissional. Em vez de escrever, Estabelece comparações entre das posições, deve escrever Compara as posições de dois grupos sobre essa questão. Se o professor partilhar os seus critérios com os pais, é importante que estes compreendam como é que é feita a avaliação do trabalho dos seus filhos. Um vocabulário acessível é o ideal para todas as pessoas envolvidas,

• Um reflexo de expectativas elevadas. O professor deve descrever trabalho de elevada qualidade, não apenas trabalho que apresenta uma qualidade aceitável, Em vez de Tem menos de quatro erros de ortografia, deve escrever Escreve sem erros ortográficos. Os critérios não devem encorajar a realização de um trabalho que se situe a um nível de qualidade inferior ao máximo possível.

• Descritos através de afirmações positivas. O professor deve descrever aquilo que quer, não aquilo que não quer. Em vez de Não sobrecarrega o cartaz com demasiados elementos gráficos e texto, deve escrever Usa, de forma eficiente, os espaços vazios.

• Expressos de forma a não impor limites. Todos sabemos que se pedirmos aos alunos que nos forneçam quatro exemplos, obteremos quatro exemplos - e não mais do que isso. O professor deve estabelecer critérios mínimos: Inclui, pelo menos, quatro exemplos. Desta forma, não está a impor limites, mas a encorajar um esforço suplementar,

As avaliações são cumulativas

Alguns professores manifestam preocupações relativamente ao modo como as actividades diferenciadas e as notas que lhes são atribuídas podem afectar o cálculo das notas do final de período. Como evitar enviar falsas mensagens aos alunos e aos seus pais sobre os seus níveis de desempenho, em comparação com outros alunos da turma? Por exemplo, se avaliarmos actividades diferenciadas com base em critérios de avaliação diferentes, como é que evitamos aumento excessivo das notas dos alunos que realizam trabalhos menos complexos?

O professor deve assegurar-se de que os alunos e os seus pais compreendem que as actividades diferenciadas são apenas um dos factores a ter em consideração no processo de avaliação. As notas finais reflectem não só as actividades diferenciadas, mas também o trabalho diário, os testes, as avaliações de desempenho e as tarefas obrigatórias para todos os alunos. Um professor tem muitos elementos relativos ao desempenho do aluno para ter em consideração. É, também, provável que mostre uma inclinação para atribuir maior peso a algumas notas, com base na valoração que lhes é dada; por exemplo, uma avaliação de desempenho realizada por todos os alunos pode valer 30 pontos, enquanto uma actividade diferenciada pode valer 10 ou 15 pontos, dependendo da sua complexidade. O professor controla a quantidade de pontos necessária para obter uma nota, bem como o grau de influência que cada nota detém sobre a nota final.

O professor pode chegar à conclusão de que é de grande utilidade anotar, na sua caderneta de avaliações, quais as notas que reflectem as actividades diferenciadas. Pode mesmo anotar o nível de tarefa que cada nota representa. Por exemplo, um Muito bom numa tarefa avançada pode ser representado por um Muito bom-1. Um Muito bom numa tarefa básica pode ser representado por um Muito bom-2. O código usado ajudará o professor a fazer o cálculo das notas finais.

O professor não deve avaliar tudo

Todos os alunos necessitam de feedback sobre a qualidade do seu trabalho. O professor não precisa, no entanto, de ser o único a fornecer essa informação. O professor deve ensinar os alunos a avaliarem o seu próprio trabalho, a darem e a receberem uma avaliação aos/dos seus colegas, usando os critérios de qualidade de trabalho. O professor deve ajudar os alunos a usar formulários com os critérios de avaliação, se estes não tiverem muita experiência nesta actividade. Quando os alunos tiverem compreendido claramente o processo, podem usar o formulário com os critérios de avaliação fornecido pelo professor para se guiarem no seu trabalho e para fazerem a avaliação dos seus produtos finais. Aprender a fazer auto-avaliação e heteroavaliação fortalece a independência e o poder de julgamento dos alunos. Essas avaliações também libertam o professor da sensação de que apenas ele pode rever o trabalho dos seus alunos.

Para além disso, o professor deve recordar-se de que as notas não são a única forma de fornecer feedback sobre o trabalho dos alunos. Deve substituí-las, algumas vezes, por uma análise, um comentário ou um sinal de mais ou de menos. A motivação de alguns alunos declina quando sentem que o seu trabalho não conta se não lhe for atribuída uma nota. Estes alunos estão viciados nas notas. O professor deve tentar prevenir essa situação, fornecendo um feedback que seja qualitativo e limitando o uso da atribuição de notas.

Heteroavaliação

A heteroavaliação não será produtiva ou exacta a menos que o professor forneça aos alunos critérios de avaliação. Sem esses critérios, a avaliação não será mais do que um concurso de popularidade. Exigir que os alunos usem formulários com os critérios de avaliação ajuda a que a heteroavaliação seja justa e isenta de influências exteriores. Os colegas podem oferecer feedback que os alunos podem usar para melhorar, rever, ou redesenhar um projecto, antes que este seja entregue ao professor. No caso de alguns projectos, a heteroavaliação, em conjunto com a autoavaliação, pode constituir um feedback suficiente para os alunos, O professor pode, simplesmente, decidir efectuar uma verificação desse trabalho.

Notas = Rigor

Alguns professores dão trabalhos aos alunos com base num sistema de atribuição de determinadas notas a determinadas actividades. A justiça torna-se um problema quando a única diferença entre um projecto contemplado com Muito bom e um projecto classificado como Bom é a dedicação posta no trabalho. Uma forma de o professor se assegurar de que as notas atribuídas aos projectos seleccionados pelos alunos reflectem diferenças de rigor, e não as diferenças de dedicação ao trabalho, é oferecer aos alunos a possibilidade de escolherem trabalhos correlacionados com o seu nível de estímulo da taxonomia de Bloom. Se os alunos optam por realizar um projecto de nível Muito bom, eles devem, de facto, empenhar-se num trabalho mais rigoroso e estimulante, do que o professor julga necessário num projecto de nível Bom ou Suficiente. Por exemplo:

• Para obter um Muito bom, o aluno selecciona um projecto que se situa nos níveis de estímulo da análise, da avaliação e/ou da síntese,

• Para obter um Bom, o aluno selecciona um projecto que se situa nos níveis da aplicação e/ou da análise,

• Para obter um Suficiente, o aluno selecciona um projecto que se situa nos níveis do conhecimento, da compreensão e/ou da aplicação.

O professor deve fornecer critérios de avaliação para todos os projectos. Deve tornar claro que os alunos devem cumprir os critérios para poderem obter a nota pretendida. Por outras palavras, a escolha de um projecto de nível Muito bom não resulta automaticamente na atribuição de uma nota de Muito bom. Para obter um Muito bom, os alunos devem produzir um trabalho que reflicta os critérios de avaliação para um trabalho de nível Muito bom. Se assim não for, os alunos podem obter uma nota mais baixa. Os alunos que demonstrem interesse em assumirem um trabalho mais rigoroso, irão obter notas mais elevadas.
Esta estratégia de avaliação é apropriada apenas quando os alunos são confrontados com uma escolha de projectos baseados na nota que gostariam de obter. Não é adequada para actividades estratificadas realizadas por grupos flexíveis de ensino; neste caso, o professor estaria a limitar os alunos que realizam um excelente trabalho em tarefas mais básicas à obtenção de notas mais baixas.

O professor deve ter em mente que todos os alunos podem pensar e trabalhar em níveis elevados de estímulo. Todos os projectos devem estar disponíveis para todos os alunos. O professor deve manter os seus critérios de qualidade elevados, embora atingíveis com algum esforço. Deve estar à espera de resultados diferentes para o mesmo projecto. Alguns alunos irão mais longe do que o exigido ou mostrarão um maior grau de elaboração no desenvolvimento dos seus projectos. Outros irão cumprir os critérios de qualidade, mas apresentarão uma aplicação mais básica dos critérios ao seu trabalho. Não faz mal! O professor estará a encorajá-los a assumirem o desafio, reconhecendo que os resultados finais serão diferentes, dependendo dos seus interesses e das suas capacidades. Para os alunos com necessidades especiais ou com planos educativos individualizados, o professor também pode modificar os critérios ou as exigências, conforme apropriado.

"Totalmente 10"

O professor pode sentir-se preocupado por os alunos que escolhem projectos mais complexos e estimulantes necessitarem de mais tempo para terminar as suas actividades do que os alunos que realizam tarefas mais básicas. Como é que o professor torna mais equitativo a distribuição de tempo de trabalho dos alunos? O formato "Totalmente 10" é um formato de diferenciação de projectos ou de trabalhos que pode ajudar o professor a gerir melhor as questões colocadas pelo tempo de trabalho. Os alunos escolhem actividades de diferentes níveis de estímulo e complexidade. A cada tarefa que os alunos podem seleccionar, o professor atribui um resultado de 2, 4, 6 ou 10. (...)

Diane Heacox (2006), Diferenciação Curricular na Sala de Aula. Como efectivar alterações curriculares para todos os alunos Porto: Porto ed., pp. 124-126

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

MATEMÁTICA E O APOIO FAMILIAR


O sucesso académico dos adolescentes na matemática está associado às suas características individuais, mas é influenciado pelas estruturas de apoio escolar e familiar (Gregory & Weinstein, 2004; Ma, 1997). Alunos de 11 escolas públicas, com idades entre os 12 e os 17 anos foram inquiridos através dum questionário baseado em itens seleccionados ou adaptados do questionário Health Behavior in School-Aged Children (WHO, 2002) e de outras fontes. As percepções dos alunos das relações com os seus pais, professores, colegas e sobre a sua carreira futura foram recolhidas e submetidas a uma análise das componentes principais. Uma regressão logística binária foi efectuada para determinar os factores preditivos do sucesso na matemática na escola. O género, o estatuto socioeconómico familiar, a identificação do aluno com a escola, o envolvimento dos pais com as actividades escolares, a aceitação do aluno dos/pelos colegas ou as relações afectiva e conflitual com o pai não se revelaram factores estatisticamente significativos para prever o sucesso na matemática. Uma relação conflituosa com a mãe, uma relação com os colegas caracterizada como agressor ou vítima e ser um aluno mais velho que os colegas são preditores estatisticamente significativos do insucesso. As elevadas expectativas de carreira do aluno, a nacionalidade e a relação afectuosa com a mãe são preditores estatisticamente significativos do sucesso na matemática. Uma relação professor/aluno estimulante mediada pelas estruturas de apoio familiar revelou-se igualmente um contribuinte positivo, sugerindo um papel particular da mãe, bem como dos professores para o sucesso do adolescente na matemática.